A marcha foi incrível.Embora poucas pessoas tenham aparecido(em torno de 150?), e no facebook dizia que cerca de 600 haviam confirmado presença, todas estávamos animadas, e entoávamos gritos constantemente, como: “Se o corpo...se o corpo...se o corpo é da mulher...ela dá pra quem quiser...ela dá pra quem quiser”, ou “A nossa luta é por respeito...mulher não é só bunda e peito.A nossa luta é todo dia...mulher não é mercadoria”, ou “O machismo mata.Estupro não é piada”, e mais “Eu beijo homem...beijo mulher...tenho direito de beijar quem eu quiser”.Um máximo, não?
A marcha saiu do CH da UECE(Universidade Estadual do Ceará) e terminou no Passeio Público, no centro da cidade, um local conhecido por ser o “ponto” de várias prostitutas.Porém, com a reforma da praça, a prefeitura mandou retirar todas as mulheres e travestis do lugar, porque, afinal, a prefeitura de Fortaleza adora atitudes autoritárias e truculentas, como quando permitiu, e se não permitiu, ainda assim, foi conivente, com os policiais que agrediram os professores do município que estavam em greve.Então, adorei quando passamos em frente ao comitê do PT( partido da nossa “querida” prefeita) e reprovamos, tanto em forma de crítica à prefeitura quanto à polícia, a ação contra os professores, que apenas estavam no direito de exigir melhores condições de trabalho e exigir melhor remuneração.
Nós, “vadias” e “vadios”, tomamos a Avenida 13 de Maio( e surgiu o grito: “sexo anal pra derrubar o capital”.Na hora, não entendi.Depois de muito puxar pela memória, percebi que era pra derrubar o capital simbólico dos homens, porque o sexo anal é visto como humilhante, a afronta máxima à masculinidade), uma das mais movimentadas da cidade, passamos em frente ao IFCE(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará), entramos no CH 1 da UFC (Universidade Federal do Ceará), saímos na Avenida da Universidade e seguimos, mesmo entre ameaças de atropelamento, até o Passeio Público, passando antes pela Faculdade de Direito(UFC), Praça da Bandeira( onde convidamos as pessoas com o grito: “Vem!Vem!Vem pra luta, vem, contra o machismo!”), Praça da Igreja do Carmo( e lá cantamos: “Se o papa...se o papa...se o papa pegasse bucho, o aborto seria luxo” e “Eu não me meto na sua fé...tenho direito de transar com quem eu quiser”) e a penúltima parada foi na Praça do Ferreira, onde muitos homens se sentiram no direito de lançar olhares de condenação e risadinhas sacanas para as garotas que estavam de sutiã ou fazendo topless.Essa é a negação à livre determinação sobre o corpo da mulher que vivemos todos os dias, seja na esfera pública ou privada.
Caminhamos durante horas e horas.Nem sei ao certo quantos milhares de metros.Mas valeu a pena.Nada paga a expressão das pessoas ao ver que nós, tanto alunos(as) quanto professores(as), estávamos protestando contra algo tido como banal, e até natural: a violência contra mulher, um produto direto do machismo, assim como é a homofobia.Era difícil não sentir emoção naquele corpo de pessoas que reclamavam o direito da liberdade individual feminina, da autonomia existencial, da essencialidade.
A marcha levava consigo várias idéias embutidas, e uma delas era o novo papel da mulher, agora como sujeito da ação, como elemento de transformação social.Não mais o papel objetificado, instituído por normas de gênero.Não mais o papel restrito à vassalagem.Não mais o papel que os programas de humor que não sabem fazer humor adoram imputar à mulher.Instituíamos, ali, o papel de ser livre, de ser portador de direitos, de ser capaz de escolher aquilo que nos apraz. E ao ouvir aqueles gritos que exigiam respeito, exigiam igualdade, eu senti orgulho, um imenso orgulho de ser mulher, de ser feminista e de estar na luta com elas.
A questão crucial da marcha não era a aprovação das pessoas que nos viam, na rua, segurando cartazes, ziguezagueando entre os carros, cantando palavras de ordem, suadas depois tanto andar, mas sim mostrar que a violência sexista não é normal, e não deve nem vai ser mais aceita.E que ainda existem pessoas capazes de sentir empatia pela causa.E sim, para a infelicidade dos machistas de plantão, o Feminismo vive.E nossa marcha foi inteiramente feminista, em cada parte integrada, em cada gesto firme, em cada olhar animoso.Tínhamos noção sobre a necessidade da erradicação do machismo, e de como esse machismo havia sido cristalizado, além das ferramentas usadas para continuar perpetrando-o por entre as teias sociais.
Sentimos, muitas vezes, os olhares atravessados, as palavras de escárnio, a reprovação velada.E pensávamos, no mesmo instante, que era exatamente aquilo que desejávamos desarreigar da sociedade.Era aquele pensamento mesquinho, voltado para a cisão social (masculino x feminino), que precisava urgentemente desaparecer, porque era dele que se originavam as piores ações de opressão, de resguardo da esfera servil da mulher.
Já no Passeio Público, uma das organizadoras, professora da UECE, fez um discurso sobre a origem da praça, o que ela significava, o porquê da marcha terminar naquele lugar, e a importância do reconhecimento da autonomia da mulher.Foi muito bonito o discurso.Depois, foi a vez da Lola, professora da UFC e blogueira feminista (http://escrevalolaescreva.blogspot.com/), discursar, e ela nos contou sobre a ameaça de processo que sofreu do Marcelo Tas após fazer críticas ao CQC quando alguns membros do programa criticaram a amamentação e teceram comentários depreciativos em relação ao corpo da mulher.E, logo após ouvir a Lola, nós entoamos o grito: “Somos todas Lola”, como apóio ao momento que ela está passando.Para fechar, outro professor da UECE discursou, reforçou a importância da marcha, ainda mais pelo contexto no qual ela estava inserida, o pós-morte de um casal de lésbicas no bairro Genibaú.
É, a marcha foi incrível.E mais uma coisinha a acrescentar:
“Se cuida, ô seu machista, a América Latina vai ser toda feminista”
(Mari N.)
2 comentários:
Adorei o post, e todo o blog tbm! Acho que vc foi uma das únicas que entenderam o sentido da palavra de ordem do "sexo anal, pra derrubar o capital!"... kkkkkkkkkkk
Na hora que o grito começou, eu não entendi mesmo.rsrs.Passei um tempo pra conseguir associar, porque, por coincidência, estou lendo um livro que faz exatamente referência ao capital simbólico dos homens, que é o livro do Bourdieu: a dominação masculina.
Mas se não fosse por isso, acho que, até agora, ainda estaria sem entender.rsrs.
Adorei a marcha.Adorei as palavras de ordem.Os discursos também foram maravilhosos.Pena que não estudo mais lá na UECE, porque queria saber como a marcha foi organizada, os professores e as professoras envolvidos, os grupos que a integraram.
Enfim, gostaria que mais manifestações nesse estilo fossem feitas, até mesmo pra dar seguimento a um processo de conscientização da população e mostrar que, enquanto existir hierarquização de sexos, objetificação feminima, violência sexista, vai haver o Feminismo lutando contra tudo isso, a fim extinguir a mácula a nossa liberdade individual, mudar o status quo e proporcionar, finalmente, um processo de isonomia social.
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