A marcha das vadias de Fortaleza o desafio da mulher Aborto Livre Reflexão política no Brasil
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Florbela Espanca




Em 8 de dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Alentejo, nasceu Flor Bela Lobo, filha de João Maria Espanca e Antonia Conceição Lobo, uma das maiores poetisas portuguesas.Embora contemporânea do Movimento Modernista, contrapunha-se a ele por recuperar recursos clássicos da poesia, como o soneto; refletir elementos românticos ao falar sobre a essencialidade do sentimento, o amor; valorizar a musicalidade das palavras, marca do Simbolismo.


Sua poesia é preenchida de nuances, recorrendo a temas como: dor, angústia, mágoa, solidão, amargura, medo,frustração, busca, nostalgia e finitude.A vida de Florbela foi enodoada pela amargura.Era filha “ilegítima” de João Maria Espanca, então casado com Mariana do Carmo Ingleza, que se tornou madrinha da garota.Ele só veio a perfilhar Florbela em 1949, para obter os direitos autorais sobre sua obra.


Florbela vivenciou três casamentos frustrados(com Alberto Moutinho, em 1913; Antonio Guimarães, em 1920; em 1924, com Mário Lage, permanecendo com este até a morte) e isso conjeturou em sua poesia, sobretudo na temática amorosa.Apeles, o amado irmão, três anos mais novo, faleceu em 1927, vítima de um acidente em um dos treinos de pilotagem. Esse foi o golpe mais forte que a poetisa sofreu.Em 1930, Florbela iniciou a escritura do seu diário, o chamado Diário do último ano.E, no mesmo ano, no dia 8 de dezembro, seu aniversário, cometeu suicídio.
É incomum conhecer pessoas que gostem de Florbela Espanca.A maioria nunca ouviu falar.Sua obra é, em grande parte, angustiante, em uma existência não passível de sentido.Costumo dizer que só há duas vertentes possíveis para os amantes, ou dito amantes, dessa maravilhosa poeta: infelizes ou curiosos.Parece duro dizer isso.Florbela era uma confluência de sofrimento.A idéia permanente da impossibilidade da felicidade é um elemento fundamental em sua poesia.E a forma sutil, quase doce, que ela coloca a agonia do substrato vital, dá-nos a sensação de impotência bem-vinda, como se aceitássemos, com dignidade, que somos um paradoxo
efêmero.

Portanto, não há quem simpatize, ame Florbela, sinta catarse, sem ser infeliz.Mas a palavra infeliz pesa.É quase um ônus.Ninguém gosta de se intitular infeliz.Dizem “estou” infeliz, “estou” triste, “estou” miserável.Nunca é sou.É sempre estou, refletindo uma espécie de momento que, por vezes, não chega ao fim.

E cabe, aqui, portanto, a pergunta: o que é a infelicidade?Ou o que seria o seu oposto, a felicidade?Talvez, infelicidade tenha a ver com a busca constante por algo amorfo.Seria, pois, a insatisfação, a incapacidade de viver com o que tem em mãos.Mas o que temos, em mãos, é o subjetivo, a construção da idéia que repousa em um mundo superno, já que tudo é signo.Buscar o sentido da existência pode terminar em sentido algum, ou no pior deles: há, em tudo, uma dose latente de infelicidade.

E o ser que abraça sua infelicidade, sabe sua cerne, não a estigmatiza, não é justamente o ser mais feliz por aceitar sua condição e saber que a desconstrução é a fonte simbiótica da expressão verdadeira?Não é a infelicidade o primeiro passo para permear indagações e contrapor-se ao status?Não seria o choque causado por um processo normativo de disparidade?Não é o sentido das coisas que nos faz percorrer os caminhos mais árduos?E isso lembra Florbela, porque ela era de todo dor.Suas poesias são quase diários, carregadas de tom confessional.Percebemos a carência, a busca irremediável, e a impossibilidade de atingir o ápice.


A poesia de Florbela grita solidão.A infelicidade também.Mas quando falo de solidão, não é um estado de companhia.Refiro-me a um estado de espírito, metafísico, muito além do que podemos definir.Quantos de nós não se sentem incompreendidos, e guardam, para si, a forma de enxergar o mundo, pois é singular?Quantos não evitam os laços por temer a mágoa ou a falta de compreensão?Ou quantos, não sabendo o que é solidão, e amedrontados por uma palavra injuriada, criam laços supérfluos, quase como máquinas que tecem vínculos sociais?Logo, a infelicidade não deveria ser temida.Mas também não deveria ser estimulada.

O processo de ascensão pessoal é a superação da conjunção de histórias, de labores, que vão tomando forma no inconsciente.Porque infelicidade não é no sentido mais asséptico da palavra.

É a reflexão de uma alma confusa, que não sabe o que sonha, não sabe o que procura, mas sente um vazio agudo. Essas são as pessoas capazes de fugir das normas de conduta por tudo aquilo que acreditam.E essa seria a transição entre infelicidade e felicidade; transpor a busca e chegar ao encontro de algo.

Definitivamente, Florbela Espanca é mestre na expressão dos diversos tipos de dor.A capacidade de interpretação sobre o seu mundo gera temas universais, conseqüentemente achegando-se à catarse.Por isso, fica impossível pensar em um amante de Florbela que seja feliz.Como pode haver identificação entre o meu eu e o eu de Florbela se não temos sentimentos, angústias, medos em comum?O que remete ao segundo grupo: os curiosos.São pessoas que amam a poesia, e não tão somente a figura Florbela.São apaixonados pelas p
alavras, mas não simbiotizados por seus temas.

Outra característica interessante da obra da poetisa portuguesa é o papel da mulher, que ocupa encargo central.A mulher é mostrada como um ser humano, onde residem expressões universais.Então, por que aclamar essa característica quando, teoricamente, mulheres são consideradas seres humanos?Simples: ainda hoje, o cinema, a música, a construção da linguagem, são atividades, em maioria, voltadas para o homem, refletindo o status quo, fazendo a manutenção das relações de hierarquia, e não reconhecendo mulher como um ser humano dotado de autonomia.Já disse em vários posts, e direi nesse novamente: a língua é ideológica, assim como os demais ofícios humanos.E Florbela Espanca, impreterivelmente, trabalha a figura feminina, não restringindo o espaço da mulher à esfera privada, com condutas de mãe ou esposa.Florbela opôs-se ao sistema dual da mulher, pois rompeu com as normas da época e tornou-se uma poeta, parte que cabia aos homens, pois era deles a ocupação da reflexão.




Quanto a essa magnífica poetisa, posso dizer que sou apaixonada por seus escritos.Acho-a hábil na inscrição
de temas densos, passados por intermédio da leveza e da auto-crítica.Florbela não nos entrega um bojo carregado de tormentas.Ela nos faz vislumbrar o abstrato.Faz-nos sentar e pensar sobre a pilastra que sustenta nossa existência.Florbela é um perigo.Assim como Clarice Lispector é um perigo.Ambas possuem uma obra particular, singular, marcada pela expressão do metafísico, que pode nos levar a uma desconstrução destrutiva.Você nunca é a mesma pessoa ao acabar a leitura de suas obras.


Obras:


-Livro de mágoas , 1919.
-Livro de “Sóror Saudade”, 1923.
-Charne
ca em flor, 1931
-Charneca em flor, com 28 sonetos inéditos, 1931.
-Cartas de Florbela Espanca(a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli), 1931.
-As máscaras do destino, 1931.
-Sonetos
completos, com um estudo de José Régio, 1934.
-Diário do último ano, prefácio de Natália Correia, 1981.
-O dominó preto,
prefácio de Y.K.Centeno, 1982.
-Obras completas de Florbela Espanca, de 85-1986, 8 volumes, edição de Rui Guedes.
-Trocando olhares, Estudo introdutório, estabelecimento de texto e notas de Maria Lúcia Dal Farra, 1994.




Florbela:

“É o casamento um grilhão de flores e risos?De acordo, mas é sempre um grilhão.Ria, pois, e cante com a sua bela alegria, ame doidamente alguém mas nunca abdique nem uma das suas graças, nem uma das suas idéias que lhe fazem vincar a fronte às vezes com uma pequenina ruga de capricho e insolência que fica tão bem às mulheres bonitas; não ajoelhe nunca, porque está nisso o nosso grande mal, o nosso profundíssimo erro.”
(Carlos Sombrio –OC, p. 35)

“O meu talento!...De que me tem servido?Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino.Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que me não tenha feito mal.Talvez culpa minha, talvez...O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais ; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem aonde está, que tem saudades sei lá de quê!”
(Carlos Sombrio – OC, p.35)


“A minha vida!Que gâchis!Se eu nem mesmo sei o que quero!”
(Florbela Espanca, Diário do último ano)


“Para que quer esta criatura a inteligência, se não há meio de ser feliz?”, dizia, dantes, meu pai, indignado.Ó ingênuo pai de 60 anos, quando é que tu viste servir a inteligência para para tornar feliz alguém?”
(Florbela Espanca, Diário do último ano)


“Viver é não saber que se vive.Procurar o sentido da vida, sem mesmo saber se algum sentido tem, é tarefa de poetas e de neurastênicos.Só uma visão de conjunto pode aproximar-se da verdade.”
(Florbela Espanca, Diário do último ano)


Referência: (ESPANCA, Florbela. Melhores Poemas; Seleção Zina C. Bellodi)




Poesias



Minha culpa


A Artur Ledesma


Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...

Como a sorte, hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem! ...

Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...

Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...





O meu impossível


Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!

Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...

Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...





Eu


Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou
Alguém que veio ao mundo para me ver
E que nunca na vida me encontrou!





Eu não sou de Ninguém


Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser
Há-de ser luz do Sol em tardes quentes;
Nos olhos de água clara há-de trazer
As fúlgidas pupilas dos videntes!

Há-de ser seiva no botão repleto,
Voz no murmúrio do pequeno insecto,
Vento que enfurna as velas sobre os mastros!...

Há-de ser Outro e Outro num momento!
Força viva, brutal, em movimento,
Astro arrastando catadupas de astros!





Inconstância


Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...




A minha dor


(A você)

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...




Lágrimas ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!




Os versos que te fiz


Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não t’os digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!





Para quê?!


Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...




Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...




Nostalgia


Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-se esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!





A Minha Piedade

A Bourbon e Menêses


Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo, de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram, de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva, sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensangüentam na subida!

Tenho pena de mim... pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

De não ter asas para ir ver o céu...
De não ser Esta... a Outra... e mais Aquela...
De ter vivido e não ter sido Eu...






Amor que morre


O nosso amor morreu…Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria…
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre…e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia…

Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer
E são precisos sonhos pra partir.

E bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há de vir!




Alma perdida


Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…





Florbela é, em toda sua extensão, a expressão da condição humana.Para mim, ela é incomparável.


(Mari N.)
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8 de março: por que ser Feminista?




Todos os anos, é comum, no Dia Internacional da Mulher, recebermos rosas e parabéns.Vejam bem: rosas.As coisas já começam mal.Nem mesmo é difícil imaginar porque as recebemos.Não tem a ver com a rosa em si(eu, por exemplo, adoro flores.Mas é gosto pessoal).Assim como a língua que usamos, os atos são simbólicos, são ideológicos, e fazem a manutenção, no tecido social, daquela velha idéia de delicadeza, que está atrelada à mulher até hoje.

Mulher boa é a mulher delicada, daquelas que apresentam fragilidade e passividade, pronta para ser subalternizada. Enquanto isso, as propagandas que vemos, na TV, também fazem apologia ao mito do eterno feminino.

Estão lá passando a mensagem: para ser uma mulher de verdade, você deve seguir a cartilha comportamental, onde só pode ser “vagabunda”(a mulher que gosta de sexo, que não se prende a certas amarras “morais”.São vistas como objetos sexuais; mulheres para “comer”) ou “santa”(nesse caso, são as mulheres escolhidas para o casamento, que não podem, nem devem, segundo os machistas, gostar de sexo.O papel delas é o de reprodutoras, ou seja, vaginas/úteros ambulantes); tem que ser uma consumidora compulsiva de cosméticos( se não usar cosméticos, não é feminina) e estar sempre “com o corpo ideal”, tudo para manter-se “bela”e agradar o macho alfa(se ele não ficar satisfeito, o “pobrezinho" vai procurar outra na rua.E você será sempre culpabilizada por isso); tem que aceitar, com resignação, sua posição no mundo: a vassalagem.


E por que é assim?Porque lógicas só existem quando favorecem, quando dão lucro, a um grupo dominante.Não precisamos refletir muito a respeito.O grande beneficiado é o patriarcado.


O Dia Internacional da Mulher, infelizmente, ganhou ares comerciais.Para a maioria, deixou de ser um dia de reflexão e luta pela transformação do status atual.Dão-nos parabéns, mas pouco fazem para mudar a realidade.Uma realidade dura, massacrante, humilhante.Uma realidade de exploração à mulher.Então, essa data deve estimular a visibilidade feminina.Deve marcar nossa luta pelo fim da repressão.

Invariavelmente, todas as mulheres sofreram, ou sofrem, algum tipo de violência.Há diferentes formas de violação: agressões físicas, psicológicas e verbais.Muitas vezes, as psicológicas não são percebidas.E não percebemos porque o condicionamento é feito de uma maneira silenciosa, próprio para que não atentemos a mácula a nossa liberdade.

Somos tolhidas desde a infância.Não somos educadas para sermos o que quisermos ser.Essa liberdade é destinada apenas aos homens.Somos educadas para sermos propriedades. E somos vistas, diariamente, como tais.Um dia, somos dos nossos pais.Outro dia, em um futuro, já acordando que vamos casar, afinal, mulher nasceu com essa função, seremos dos nossos maridos(note que, para os machistas, toda mulher deve gostar de homem.A vida dela só faz sentido se tiver um homem.As lésbicas, para eles, são só objetos de escárnio ou objetos de fantasias sexuais).Nunca somos só nossas.Nunca nosso corpo é nosso.Nunca nossas idéias são nossas.Nunca nossos sonhos são nossos.

Nunca nossas lutas são nossas.Somos sempre de alguém.Somos sempre passíveis de intervenção externa.Porque até o que pensamos que é nosso acaba sendo reposicionado a uma lógica de zona de livre mediação.Todos decidem, menos nós, as mulheres.

E, quando crianças, já bem vemos o caminho da sacralização feminina.Vemos isso na educação sexista.Vemos isso na moral distorcida, de cerne obscura, de lema opressor.E somos varridas por uma gama de paradigmas comportamentais.A casta de humanidade nem mesmo é atribuída à mulher.Seres humanos são os homens.A língua está aí para provar essa idéia.E como disse, a língua é ideológica.As mulheres são estimuladas, desde jovens, a servir um macho dominante.Não são livres para escolher.São condicionadas a agir de acordo com o que o patriarcado propõe.São erotizadas desde cedo.Contudo, é um processo de erotização unilateral, para suprir as necessidades do patriarcado.A mulher não é estimulada a desenvolver sua sexualidade. E se ela fugir do padrão, é esmagada pela sociedade, que lhe imputa um condicionamento moral.



(pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo sobre as Mulheres brasileiras nos espaços públicos e privados: http://www.fpa.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf)


Essa hierarquia está tão enraizada, na cultura, que temos a institucionalização do machismo.Às mulheres, foi reservada a exploração, coação, segmentação e aniquilação.A sociedade, em geral, prega o ódio à mulher.Só o fato de “nascer mulher”(para eles, o sexo biológico é suficiente para definir seu papel na sociedade) parece um atentado ao bem-estar social.A figura feminina foi bastante “demonizada”.E essa lógica demoníaca é endossada pela maioria das religiões cristãs.Entretanto, os ateus(atéias) e agnósticos(agnósticas) não estão livres de conceitos limítrofes machistas.Há misoginia entre eles , e elas, também, mesmo que não sejam encabeçados(as) por um livro que cultua a imagem da mulher como a culpada pelo pecado original.Incrível que ainda somos todas consideradas Evas tentando os pobres Adãos.Ou seja, de toda forma, a mulher nega sua autonomia para não sofrer o crivo da opressão, e não perder a “essência feminina”.

É impressionante o mecanismo de controle usado pelos machistas.É uma ferramenta vil, baseada no medo da humilhação e condenação pública.Há uma pressão tão forte, tão cerceadora, que faz uma mulher virar-se contra outra.Os valores reproduzidos são uma forma eficaz de dominação.Mulher independente, seja financeiramente, emocionalmente, psicologicamente, prejudica a lógica da posse.Tudo que eles não querem é a desconstrução. Para combater essa tentativa de desarticulação dos papéis de gênero, eles inseminam, nos lares, a misoginia.E esses valores humilham.Esses valores ferem.Esses valores matam.


E o pior é ouvir, nos dias de hoje, que não existe machismo, ou que a vida da mulher está muito melhor.Está mesmo melhor?Não existe mesmo machismo?
Acho válido fazer uma pequena reflexão.


1)As mulheres podem exercer sua liberdade, diariamente, sem o risco de serem vítimas de agressão sexual, independente da cor, etnia,idade, credo, orientação sexual?


2)As mulheres podem sair de casa, independente da hora, sem correrem o risco de sofrer abuso verbal(o que relativizam chamando de cantadas), ou algum outro tipo de coação?

3)As mulheres já deixaram de carregar o fardo da dupla jornada de trabalho?

4)Todas as mulheres têm salários equivalentes aos dos homens quando ocupam a mesma função?

5)As mulheres podem viver plenamente sua sexualidade sem sofrer o abuso proposto pelo condicionamento moral?

6)As mulheres já são encaradas como sujeitos ativos no sexo?Ou elas ainda são enxergadas, muitas vezes, tão somente como receptáculos de sêmen?

7)As mulheres deixaram o paradigma de objeto sexual ou símbolo maternal?

8)As mulheres não são mais encaradas como propriedades dos homens?Se não são, por que ainda há crimes “passionais” ( para mim, são crimes misóginos)?

9)As mulheres já podem decidir a respeito do seu corpo?Já podem abortar?O Estado parou de legislar a esse respeito?Os parlamentares (em maioria homens) deixaram de deliberar sobre a liberdade individual da mulher no tocante à gravidez?

10)As mulheres são livres para dissentir quando o assunto é “feminilidade”?Elas podem, simplesmente, não ir pelo viés do que a sociedade estabelece como feminino sem sofrer alguma retaliação?


Não precisamos sentar no divã para responder, precisamos?Todas as respostas são não.E são não porque nós não somos vistas como seres autônomos, como seres dignos de respeito, como seres humanos.

"Estupra, mas não mata" -Paulo Maluf

"O estupro é um acidente horrendo" - Severino Cavalcanti

"Comparando, em seu conjunto, o homem e a mulher, pode-se dizer: a mulher não possuiria o talento de se adornar se não soubesse, por instinto, que ela desempenha o papel secundário." – Nietzsche

“A lei Maria da Penha é um conjunto de regras diabólicas. Se essa lei vingar, a família estará em perigo. Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher. As armadilhas dessa lei absurda tornam o homem tolo, mole. O mundo é masculino e assim deve permanecer. No caso de impasse entre um casal, a posição do homem deve prevalecer até decisão da Justiça, já que o inverso não será do agrado da esposa.” – Juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues.Ele disse exatamente tudo isso em sentença, em 2007, ao julgar homens acusados de agredir e ameaçar suas mulheres.

“A defesa alegou que a vítima não era virgem e estava bêbada, junto com o réu, de modo a contribuir com o desfecho fatal.” – advogado de defesa em favor do réu acusado de estupro.

“Fragilidade, o teu nome é mulher!” -William Shakespeare

“A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.” -Nelson Rodrigues

“A mulher não é um gênio, é um elemento decorativo. Não tem nada para dizer, mas di-lo tão lindamente.” -Oscar Wilde



E o mundo não é em nada machista, não é?
E somos iguais aos homens em todas as esferas da sociedade, não é?



Mas essa representação de desigualdade e dominação não acaba por aí.Aqui alguns dados estatísticos:


-Pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Sesc, projeta uma chocante estatística: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.E já foi pior: há 10 anos, eram oito as mulheres espancadas no mesmo intervalo.


-Pesquisadores projetam que 7,2 milhões de brasileiras, com mais de 15 anos, já sofreram agressões. Quase 50% dos homens afirmam ter um amigo ou conhecido que bate na mulher

-Uma, entre quatro mulheres, é vítima de Violência Doméstica

-Em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil. Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio

-O estudo da OMS destaca que 37% das mulheres que vivem na Zona Rural sofrem violência física e sexual de seus parceiros, enquanto que na cidade, 29% são vítimas.Das mulheres que vivem na Zona Rural do País, 5% são agredidas por não cumprirem as tarefas domésticas, 10% por desobedecerem ao marido, 30% por infidelidade e 65% porque seus parceiros são agressivos e controladores.Já nas cidades brasileiras, 80% das mulheres apanham ou são violentadas porque os maridos têm comportamento violento, 10% por infidelidade e cerca de 1% por desobediência ou por não fazerem os trabalhos domésticos

-Em países da União Européia, entre 20 e 25% das mulheres sofrem abuso dos parceiros

-Nos Estados Unidos, 25% das mulheres sofrem abuso, apesar de pouquíssimos casos serem levados à polícia

-Uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpetrada por profissionais da saúde

-70% das mulheres assassinadas foram vítimas de seus próprios maridos

-De acordo com os dados do MJ/SENASP/DECASP/Coordenação de Estatísticas e Acompanhamento das Polícias, foram registrados 15.122 estupros em todas as Delegacias do Brasil, em 1999, correspondendo a um índice de 9,22, referente ao indicador Taxa de Mulheres Vítimas de Violência Sexual.

-No Brasil, 31% das gestações terminam em abortos

-A Organização Mundial de Saúde estima que, no Brasil, cerca de um milhão de abortos clandestinos acontecem por ano, fazendo com que 150 mil mulheres morram ou fiquem com seqüelas devido às condições precárias a que se submetem

-Na África do Sul, uma em cada três mulheres já foi estuprada

-As mulheres são donas de 51,7% do eleitorado, mas só há 9% delas ocupando cargos parlamentares


Não é óbvio o motivo de ser Feminista?


Embora, ao longo de alguns anos, a palavra Feminismo tenha sido estigmatizada, as mulheres precisam se unir e continuar lutando pela transformação social.Ser Feminista é motivo de orgulho.O estigma atribuído ao Feminismo tem a ver com a tentativa de descaracterização da luta da mulher pela mulher.Precisamos romper essas amarras.O Feminismo não é o contrário do machismo.Afirmar isso é de uma ignorância ou má fé sem tamanho.O machismo é uma forma de comportamento onde há dominação, subjugação, baseado em normas de gênero, em que a mulher sofre condicionamento opressor.É através do machismo que temos a incidência dos mais diversos tipos de violência.E um de seus produtos é a homofobia.

O Feminismo é um movimento baseado no discurso de equidade social, política, jurídica e econômica entre homens e mulheres.O Feminismo não prega superioridade feminina e a criação de sociedades matriarcais.O Feminismo não tem como objetivo o ódio indiscriminado a homens.O Feminismo não procura reproduzir papéis de gênero.O Feminismo não deseja estabelecer um padrão comportamental para mulheres.O Feminismo não propõe a dominação dos homens.O Feminismo nada tem a ver com tirania.

O Feminismo é a libertação de todas as ideologias condicionantes de gênero.O Feminismo é a libertação das amarras subjetivas propostas pelo sistema autocrático do patriarcado.O Feminismo é a proposição que dá escolhas tanto para mulheres quanto para homens.

Nele, encontra-se uma pluralidade de caminhos que não partem de limitações de conduta.O Feminismo é a luta da mulher sim.O Feminismo é a conscientização da mulher a respeito do seu papel no mundo.É um movimento feito por mulheres, pensado por mulheres( já que nós fomos pensadas, sentidas, julgadas por homens.Precisamos da nossa identidade cultural), vivido por mulheres, na luta por mulheres.É um movimento pelo fim da opressão, seja ela em que âmbito for.A mulher como elemento de desconstrução dos conceitos.A mulher lutando pela mulher, fazendo-a ser reconhecida como uma igual, como um ser humano.Enquanto existir dominação, opressão da mulher, vai existir Feminismo.

E, com todo orgulho do mundo, digo: eu sou Feminista.O corpo é somente meu.As minhas idéias são válidas.Eu não sou propriedade.Eu não sou um objeto de satisfação do patriarcado.Eu sou um ser autônomo e exijo igualdade.

Mulheres, lutem!Destruam!Reconstruam!Nós podemos!




Agora, quando alguém te oferecer uma flor, você diz: não quero que me ofereça flor.Quero que me ofereça a igualdade.





(Mari N.)

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Che Guevara, o símbolo irreal






Hoje, é normal vermos pessoas usando camisas com uma enorme estampa de Che Guevara.Eu mesma já quis uma.Para a maioria, Guevara é o símbolo da ideologia revolucionária.É o supra-sumo de uma juventude transgressora.Quase como um receptáculo de idéias reformistas.Talvez, na imagem dele, as pessoas depositem a esperança da transformação social, política e econômica do mundo.

Justamente sua quase ortodoxia
política, que o fez deixar a Medicina e dedicar-se inteiramente à transformação das bases sociais, promoveu a fama de “o maior socialista do século XX”.

Há romantismo em sua história.Inegável.
Mas um romantismo voltado para a luta.Guevara é como um mártir, um Jesus pós-moderno, que morreu pelos povos subjugados.

Negou-se a compactuar com o sistema capitalista.Moveu-se ante um cenário de opressão.Deixou-se penetrar por um instinto quase lúbrico da mutabilidade possível.

Mas quem ele foi realmente?De que Che estamos falando?E seria ele o símbolo necessário à luta contemporânea?






Ernesto Guevara de la Serna nasceu na Argentina, cidade de Rosária, em 1928.A família, embora aristocrata, tinha uma cerne inseminada pelas idéias socialistas.

Desde cedo, Ernesto voltou-se para a leitura, sobretudo das obras de Marx, Engels e Lenin.Identificou-se.Comungava com os ideais propostos. Construía-se, gradativamente, a figura de perturbador, infrator, da ordem segregativa Imperialista.



Em 1946, Guevara iniciou a faculdade de Medicina e, paralela a ela, fazia trabalho voluntário em um centro de pesquisas sexuais mantido pelo partido comunista.E isso é muito paradoxal quando fazemos um levante sobre toda a sua trajetória de vida.Ele é o ícone da luta contra a injustiça.Mas foi, em contrapartida, um grande fomentador de injustiças, sobretudo com uma parcela da população(homossexuais), ao ascender ao poder, em Cuba, juntamente com Fidel Castro.Mas voltando ao seu resgate histórico, em 1951, o jovem Ernesto fez uma viagem, pelaAmérica Latina(Venezuela, Peru, Colômbia, Chile e sul da Argentina), com o amigo Alberto Granado. Ambos conheceram a situação social, econômica e política dos povos americanos.

A constatação de uma realidade mordaz, que não garantia a dignidade às populações, funcionou como combustível para Guevara concluir sua faculdade de Medicina, o que aconteceu em 1953, e dedicar-se à política.No mesmo ano, realizou a segunda viagem pela América Latina.Dessa vez, visitou Bolívia, Panamá, Guatemala, El Salvador, Equador, Colômbia, Peru e Costa Rica.

Maturou a necessidade de profundas reformulações para acabar com as desigualdades arraigadas.Foi então que o processo de transformação individual ganhou ares de transformação coletiva por meio do ideal de revolução.

E assim chegou ao México, em 1954, onde conheceu um grupo de revolucionários cubanos que seguiam Fidel Castro, o Movimento 26 de Julho.Ernesto acompanhou os guerrilheiros durante a invasão a Cuba.Posteriormente, ao familiarizar-se com a luta, participar de confrontos diretos, largou a ocupação de médico e tornou-se líder ao assumir o exército revolucionário.

Vale lembrar que, desde 1952, Cuba vivia sob a ditadura de Fulgêncio Batista.O país possuía um elo de dependência econômica com os
Estados Unidos, além de ser fortemente influenciado na política nacional.

Os norte-americanos apoiavam o governo de Fulgêncio, assim como apoiavam diversas ditaduras no mundo e financiaram algumas na América.

Inclusive, no Brasil, na década de 60, prepararam uma armada para garantir que o presidente Jango fosse deposto; caso isso não acontecesse, a tropa invadiria o país e iniciaria uma guerra civil(Plano “Brother Sun”) para garantir seus intentos, que era estabelecer a ditadura.Mas voltando a Cuba, não, não fica difícil perceber que a repressão era forte.A situação do povo não era em nada favorável, pois grande parte da população vivia em situação de completa miséria.Os índices de desemprego, concentração fundiária e analfabetismo eram altos.Os salários, dos trabalhadores, baixos.Ou seja, as condições sociais eram terríveis.

E em 1959, as tropas de Fidel entraram em Havana e Batista foi derrubado.Iniciava-se um novo regime.
O povo cubano acreditava que este regime seria democrático, representativo.Mas não foi.As coisas tenderam ao radicalismo.

E vale fazer uma analogia clara com o mesmo radicalismo que ocorreu no governo de Robespierre durante a Revolução Francesa.Obviamente, na França, tinha-se uma classe burguesa lutando pela igualdade, liberdade e fraternidade de homens brancos e com poder aquisitivo.

Embora haja diferenças na ideologia, fica claro o apego ao poder como um elemento de coerção, de um jeito que, inclusive, os considerados inimigos da nova proposição governamental, tanto no governo Robespierre quanto no de Fidel, foram mortos.Em Cuba, era o famoso paredão de fuzilamento.E o comando tornou-se, cada vez mais, autoritário.

Com o sucesso da Revolução Cubana, Che Guevara virou um importante nome no governo. Tornou-se, posteriormente, ministro da indústria e presidente do Banco Nacional.
Suas ocupações não se restringiam ao âmbito administrativo.Foi incumbido de outras funções, já na esfera militar e diplomática.

Então, todo esse levante já é suficiente para mostrar o caráter de vanguardista na luta pelo fim das injustiças sociais, não é?Eu só tenho uma resposta: não!Muitos só conhecem essa versão de herói.Muitos acreditam nesse espírito superno de Guevara.Eu mesma pensava assim até pouco tempo.Para mim, Che era a representação de um processo de conscientização, e a materialização de que até a mais tola das utopias pode ser praticável.

Mas este homem, definitivamente, não é a representação da luta em prol dos grupos marginalizados.Não se pode ter a real igualdade permeando outra cisão social e vitimando um grupamento, não é?E foi exatamente isso que aconteceu.

O verdadeiro Che não é só o pintado com um certo positivismo histórico.

Ernesto foi, também, um marco de opressão em Cuba.E não falo da implantação do Socialismo no país.Refiro-me a sua paradoxal conduta ao ascender ao poder no apóio a Fidel.

O Che pintado, nas camisas, é o homem que saiu da sua condição de privilegiado e resolveu combater as desigualdades.

Mas o verdadeiro Che foi aquele que assistiu ao discurso de Fidel Castro, em 1959, quando este assumiu o poder, e compactuou com a disseminação de idéias homofóbicas ao ouvi-lo dizer: “um homossexual não pode ser um revolucionário”.

O verdadeiro Che Guevara é o que, em 1965, unido a Fidel, criou as Unidades Militares de Ajuda à Produção.Sabem o que é isso?A ONG homossexual mais antiga da América Latina, o Grupo Gay da Bahia, desenvolveu um trabalho a esse respeito, inclusive com a participação do antropólogo Luiz Mott, que define essas Unidades Militares como:

“acampamentos de trabalho agrícola em regime militar, com cercas de 4 metros de arame farpado, onde os homossexuais e
outros “marginais” realizavam trabalho forçado nos canaviais, com até 16 horas de trabalho forçado, em condições desumanas muito semelhantes aos campos de concentração nazistas”

(mais informações sobre a pesquisa do GGB:www.ggb.org.br/cuba_livre.html)



Então, é esse o homem símbolo da batalha contra a opressão?É esse o paladino da Justiça?É esse o brasão que os jovens querem ostentar como ouro de tolo?


Querem levar, no peito, a imagem do homem que, ao entrar na biblioteca da Embaixada Cubana, e ver a obra de Virgilio Piñera, escritor homossexual, jogou o livro na parede, dizendo: “como vocês têm na nossa embaixada o livro de um “viado”!”


Além desses comportamentos inaceitáveis para quem dizia lutar por um regime igualitário, teve-se, também,a perseguição de inúmeros homossexuais durante o governo de Fidel.Alguns foram mortos.Outros foram exilados.Estima-se que cerca de 10 mil homossexuais foram deportados de Cuba.Inclusive, criou-se prisões para vítimas da AIDS, onde a maioria era homossexual.E, a partir do momento em que se fere a integridade dos indivíduos, fere sua liberdade individual, a fim de fazer a manutenção do poder, tem-se mais um regime autocrático.





Definitivamente, Che Guevara não deveria ser o ícone de uma juventude que deseja transformar o mundo, uma juventude sonhadora, que rompeu os grilhões da mediocridade que a nossa sociedade nos faz reproduzir.

Não são mais sujeitos passíveis, que apenas reportam, ao tecido social, uma herança de valores distorcidos.Para essa juventude, que prima pela ética, que rompe barreiras, que desenvolveu o senso crítico, não há margem para figuras dúbias, figuras que valorizaram, ou valorizam, a opressão, a exploração e o sofrimento de outros seres humanos.

Não faz sentido lutar por um mundo melhor e ter como bandeira um homem que fechou os olhos para a diferença e legitimou a perseguição.Não, e digo com todo meu coração, Ernesto Guevara não merece essa comoção em torno de seu nome.

Espero que os jovens abram os olhos e parem de usar, sem nem mesmo saber que símbolo levam, objetos que reportem a um vilão coberto por uma pele de herói falsamente moldada.Para mim, Guevara deixou de ser a essência da transformação social.

E, para quem acha que tudo que ele fez foi em nome de um ideal, lembre-se que não há Justiça verdadeira, regime igualitário, reconhecimento das diferenças, melhoria social, quando se derrama o sangue de inocentes por pura ignorância e tirania.Se, ainda assim, acha válido ter Guevara como herói, só posso pedir que assista ao filme de Reinaldo Arenas, Morango e Chocolate, porque, quem sabe, sua cabeça abre um pouco.

Precisamos, sim, de um novo ícone de luta.Mas a luta que não construa outro sistema estratificado socialmente.Precisamos nos render aos sonhos e começarmos a transformar as pequenas coisas.E isso não vem com nenhuma idealização de figuras históricas.Isso vem com a materialização dos nossos ideais.Juventude, rompa com a linearidade!Juventude, abandone os velhos conceitos!Juventude, deixe de lado falsos heróis!Aja!O mundo não precisa se dobrar aos nossos pés.O mundo é o espaço para a construção de uma realidade mais humana.



(Mari N.)
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Revoltas no mundo árabe






A história do Oriente nos remete a um passado de crises. Situado em uma região conflituosa, desde a antiguidade, sua ocupação gerou problemáticas, principalmente de caráter religioso, por ser um território sagrado, tanto para cristãos quanto para islâmicos, e, ainda, judaicos.

O petróleo sempre foi visado pelos países ocidentais. A situação veio a piorar a partir da tomada de boa parte do território palestino para criação do estado de Israel, em benefício do povo judeu, com ampla participação internacional, especialmente dos Estados Unidos. Desde então, sucessivos confrontos entre israelenses, apoiados pelos estadunidenses, e os outros países do mundo árabe foram se formando, aguçando a problemática na região.


Golpes foram exaurindo governos locais para implantação de ditadores que satisfizessem os interesses ocidentais, uma espécie de imperialismo claramente interessada no petróleo.

Com o tempo, isso estimulou a mobilização dos povos bastante insatisfeitos com as intervenções colonizadoras, gerando ódio e repulsão àqueles que trouxeram a fome, o desemprego, os baixos salários, a falta de expressão, a corrupção, a violenta repressão, a falta de moradia, enfim, trouxeram todo um alicerce para subjugar as populações.

Falando sobre um dos berços culturais do mundo, o Egito localiza-se no Nordeste da África.É o país mais povoado do mundo árabe, com aproximadamente 80 milhões de pessoas.Em contrapartida, é um dos mais pobres, tendo 42% da população vivendo com menos de dois dólares por dia, abaixo da linha da pobreza.Ou seja, mesmo com o crescimento populacional a partir de 1975, os recursos não acompanharam esse crescimento.

O Egito possui uma importância estratégica e econômica.Estratégica por estar localizado entre a Ásia e a África, e por ser vizinho de Israel.Econômica pela importância do canal de Suez, necessário a 7% do transporte marítimo mundial, que é um dos grandes pilares da economia egípcia, também atrelado à questão estratégica por ligar o Ocidente ao Oriente. Além, é claro, deste país ter seu papel como um exportador de petróleo, ainda que não prioritariamente.A história egípcia é marcada por regimes autoritários, baseados na dominação de um grupo sobre o povo.


Em 1952, houve uma profunda alteração nas políticas governamentais devido a um golpe aparelhado por uma organização secreta autodenominada de
Oficiais Livres.

Os egípcios saíram às ruas, formando motins, em uma ação que exigia o fim da dominação britânica, que já durava 70 anos.No ano seguinte, houve a instauração da república e o fim da monarquia, esta marcada pelo último rei egípcio, Faruk I.


O país encontrava-se em latente situação de desigualdade social, sendo vítima da corrupção administrativa e com o povo padecendo na pobreza.A Revolução Nasserista levou a uma reformulação nacional.Houve uma desapropriação das terras fundiárias para serem distribuídas entre os felás e a saída definitiva das tropas britânicas da Zona do Canal de Suez.




E, em 1956, Gamal Abdel Nasser, que encabeçava o movimento de emancipação, foi eleito presidente.Nesse mesmo ano, houve a nacionalização do Canal de Suez, mas não sem antes o Egito sofrer um ataque conjunto da França, Reino Unido e Israel.As questões de conflito não cessaram por aí.


Em 1967, ocorreu a Guerra dos Seis Dias, um ataque massivo das tropas israelenses apoiados pelos norte americanos.O Egito perdeu a Faixa de Gaza e a península do Sinai.

Posteriormente, em 1973, aconteceu a Guerra do Yom Kippur.O Yom Kippur é o dia do perdão no judaísmo.

Os impasses só tiveram fim em 1978, com a assinatura de Camp David.
O Egito recebeu de volta o território do Sinai e teve a possibilidade do apóio financeiro e militar por parte dos Estados Unidos.Nota-se, na política egípcia, uma forte presença do segmento militar.Este, assumindo, atualmente, a posição de mediador até as eleições presidenciais egípcias, em setembro de 2011.Há uma correlação entre dois regimes baseados na dominação, com duração de mesmo período de tempo, 30 anos, sendo um na monarquia(Faruk I) e o outro na república(Mubarak), mas com viés ditatorial.


No dia 11 de fevereiro de 2011, o presidente, Hosni Mubarak, que já governava há 30 anos, renunciou.Por meio do levante popular, este organizado através das redes sociais(MSN, Facebook, Twitter, Orkut), também inspirado na rebelião popular ocorrida na Tunísia, que depôs o então presidente Ben Ali, o Egito entrou em um período de efervescência.

No dia 25 de janeiro, as pessoas, por intermédio da internet, protestaram pedindo a saída do presidente Mubarak.Milhares ocuparam a praça Tahrir, que é a maior praça pública do centro do Cairo.Mas aconteceu protesto também em Alexandria, Suez e Ismaília.Três dias depois, o governo, já sabendo a forma de vinculação das informações, cortou o acesso à rede e ao resto do serviço de telefonia celular; inclusive decretou toque de recolher.Mesmo ante um cenário de pura repressão, o povo continuou indo para as ruas.Já havia comoção em massa.

Inclusive, no dia 30 de janeiro, o Nobel da paz, Mohamed ElBaradei, juntou-se à multidão.Greves foram convocadas.Não havia mais como parar a reação do povo.Estavam conscientes.Sabiam do seu papel.Sabiam da necessidade de mudança.Eles expandiram a visão e se viram como atores e não mais espectadores.A realidade política era passível de mudança desde que eles fizessem esse processo de transformação, desde que eles reformulassem o cenário político nacional.E, por meio da necessidade de transformações sociais, políticas e econômicas, o povo se viu como decisivo e como autônomo, combatendo um regime ditatorial, repressor, dominador.

O cenário do Egito não poderia ser mais calamitoso durante o governo
Mubarak.A nação estava marcada pelos altos índices de desemprego, níveis elevados de corrupção(economia abalada), violência policial, falta de moradia, alta inflação, falta de liberdade de expressão, más condições de vida, necessidade de um aumento salarial.


E, após 18 dias de pressão popular, o presidente renunciou, confirmando que a força do povo pode sim alterar as estruturas da sociedade.O efeito Tunísia ainda ganha força nos países árabes, inspirando-lhes a lutar pela melhoria da nação, pela modificação do governo, onde o povo luta pelo povo.

Agora, vemos essa consciência política inflamando a Jordânia, Iêmen, Argélia, Mauritânia, Sudão e Omã.Só que uma questão, um tanto quanto paradoxal, é o povo egípcio derrubar um ex-comandante da Força Aérea Egípcia(Mubarak), que lutou contra Israel na guerra do Yom Kippur, e era o segundo principal aliado norte-americano no mundo árabe(o primeiro é Israel), e deixar o país sendo governado pelo Conselho Supremo das Forças Armadas.

Os militares possuem interesses econômicos e um apego forte ao poder, que eles não vão abrir mão.Os dois antecessores do Mubarak, assim como o próprio, possuíam apóio militar.Então, tendo em vista a necessidade profun
da de reformulação social e política que o povo quer em oposição ao artifício do continuísmo que os militares propõem, fica difícil a transição para um regime democrático e igualitário.

A disputa para a sucessão de poder, em setembro de 2011, traz quatro nomes fortes para a presidência: marechal Mohamed Tantawi, que é um representante voltado para a continuação do antigo regime; Amr Moussa, ex-ministro de Mubarak e atual secretário-geral da Liga dos Países Árabes, que é enxergado como uma possibilidade de melhoria do antigo regime e um nome forte para vencer as eleições; o líder do partido liberal Al-Ghad, Ayman Nour, figurando na oposição junto com o diplomata Mohamed ElBaradei.

E, acoplando-se a esse processo de transformação interna, tem-se a Irmandade Muçulmana que, embora não apresente representante para concorrer à presidência, é favorita a várias cadeiras no parlamento, deste forma, ampliando sua influência.


Levando-se em consideração que a Irmandade Muçulmana deu origem ao pensamento fundamentalista islâmico, já que são baseados estritamente na sharia, a participação deles nas políticas governamentais é de extrema relevância.A partir destas constatações, entende-se o temor pelo qual o Ocidente vem sofrendo com o risco de o grupo islâmico venha a chegar ao poder, comprometendo os interesses das principais potências mundiais no Oriente Médio. Este temor remete ao que ocorreu no Irã nos anos 70, quando a Revolução Islâmica derrubou o xá Reza Pahlevi, ditadura apoiada pelo Ocidente, para implantação de outra ditadura, a Islâmica. A questão é que essa mudança política, no Egito, é gradativa, e criará, inevitavelmente, uma gama de novos conflitos sociais.


E, provando essa nova gama de conflitos, tem-se o mundo árabe, atual, em um cenário de conflitos políticos.A necessidade de transformação social levou, às ruas, um povo que estava sofrendo com regimes autocráticos e corruptos.Uma população marcada pela repressão e pela desigualdade, sendo este o fator principal que fomenta a pobreza.E justamente as más condições de vida foram um motor de sublevação para as pessoas já desgastadas com a tolha de liberdade, com a violência proposta por regimes ditatoriais, que não forneciam nenhum indicativo de melhora, seja do ponto de vista econômico ou social.Em uma tentativa de manobrar e controlar os ânimos exaltados dos manifestantes, os governos procuraram, e alguns ainda procuram, soluções apressadas e superficiais para cessar o levante do povo.Mas desta forma, não há uma transformação profunda na sociedade, mas sim a preservação dos papéis de poder.


A revolta
de Jasmim, na Tunísia, como já foi dito,
representou o estopim para a
organização de revoltas em outros países árabes.
Ela demonstrou a força do povo como um elemento de desarticulação e rearticulação.

As massas modificam, sim, a organização social, principalmente as relações de poder dentro desses países.Não se parte mais da idéia de unilateralidade.

O governo precisa, agora, de uma reformulação para atender às necessidades de vários segmentos sociais.Os levantes populares funcionam como um elo de coesão entre as pessoas, em uma luta conjunta pelo mesmo objetivo: a democracia acompanhada por melhores condições de vida.

A Tunísia gerou uma onda de soberania popular expansionista, que se irradiou pelo tecido social, gerou um processo de conscientização e a busca incessante pelo bem-estar do povo.
E, pela proximidade e pelo peso que as primeiras revoltas tiveram, elas inspiraram a população dos países próximos a lutarem por seus direitos.Basicamente, um efeito cascata.E, agora, tem-se Argélia, Jordânia, Iêmen, Bahrein, Iraque e Irã concentrando forças para uma mudança, ainda que gradativa, da política nacional.

A questão é que um grupo, com histórico arraigado ao poder, não vai abrir mão facilmente da sua influência sobre a região, gerando, inevitavelmente, mais manifestações, atentados, mortes e novos conflitos sociais.É difícil prever o futuro desses países. Muitos, com grupos extremistas, que visam instaurar a sharia, podem chegar ao poder, enquanto outros só fazem a manutenção, como é o caso do Irã.Assim como, em contraposição a essa opção, podem eleger um representante com discurso moderado.

Mas a autonomia do povo árabe, entrando em choque, lutando, não se quebrantando diante das tentativas frustradas de repressão do governo, e tudo sem intervenção internacional, mostra um novo lado do povo islâmico.Ajuda a desconstruir a idéia, muitas vezes, equivocada, de pessoas extremistas, sem consciência, que tem como ordem fundamental a destruição do Ocidente, como vende uma mídia parcial.

Os regimes teocráticos(Israel, Arábia Saudita e Irã) são os grandes perdedores com as revoltas populares.Eles passam a ter sua legitimidade questionada. Com essa conscientização em massa, forma-se uma unidade voltada para um regime democrático, onde o governo não use imperativos religiosos, seja integralista e não promova cisão social; seja um governo para todos os cidadãos.


E, com a concretização do Egito como liderança no mundo árabe, pode-se pensar em algumas possíveis conseqüências, como é o caso da questão israelense-palestino, e o fim tentativas de tomada de poder por parte dos aiatolás iranianos.O necessário é que a pressão continue, pois, assim, vai forçar a uma modificação política intensa, e não somente paliativos que disfarçam os verdadeiros interesses de grupos acostumados ao poder.Agora, quem sabe, acabe o estigma atribuído ao mundo árabe, e eles deixem de ser enxergados como inimigos, e passam a ser vistos como um povo que também deseja a ascensão política, social e econômica em um regime igualitário.


(Mari N. e Bia G.)
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