A Reflexão da política no Brasil: do pensamento político tradicional ao sistematizado, após o estabelecimento das universidades.
Bolivar Lamounier projetou, através de sua obra intitulada “A Ciência Poltica nos anos 80”, as conclusões de seus estudos sobre o avanço do raciocínio político brasileiro; desde o império, no século XIX, até a década de oitenta, aludindo a alguns problemas vigentes de caráter político daquela época.
Com isto, objetivou relacionar as características do pensamento político de duas fases: uma que antecede a instalação das universidades, que se refere à importância nas tradições de pensamento político mesmo antes do crescimento econômico e urbano; e outra pós-institucionalização, formando uma política devidamente imersa na metodologia científica de abordagem. Esta última referindo-se, portanto, à:
“Expansão quantitativa da pós-graduação e a concomitante diversificação de formas institucionais que se operam a partir de meados dos anos sessenta”. (p. 407)
Lamounier conceituou a idéia de “relativo avanço” da Ciência Política no Brasil, o qual o próprio autor convencionara descrever o quadro de pensamentos políticos brasileiros. Tal relativo avanço está embutido na percepção determinante na abordagem da realidade imediata da política, metodologia incorporada pelos pensadores políticos brasileiros que se distinguia da realizada na Europa. Esta pré-ciência política se refugiava em outros domínios analíticos, como a economia, o historicismo e a herança cultural brasileiros, tomando um caráter interdisciplinar da ciência política com as outras ciências sociais.
Outro levante colocado pelo autor para explicar este relativo avanço encontra-se numa certa continuidade das atividades de pesquisas no período pós-institucionalização da política como ciência. Esta continuidade foi desencadeada pela expansão quantitativa, especialmente nos programas de pós-graduação, e a pluralização observada nas formas organizacionais, como os departamentos institucionalizados, centros de pesquisa etc. A partir disto, o autor realizou uma análise comparativa da situação brasileira com o restante da América Latina, mencionando o privilégio do Brasil na vertiginosa expansão quantitativa e qualitativa na multiplicação entre os centros institucionalizados, mesmo sob o fato do tardio desenvolvimento universitário no País.
Um terceiro parâmetro aludido por Lamounier na classificação única do desenvolvimento político brasileiro se refere à pouca preocupação concedida à diferenciação entre as disciplinas sociais, como a Sociologia e Direito. Entretanto, esta característica que diferenciava a abordagem brasileira de outros países, como a França e a Itália, não necessariamente a tornava inferior.
Lamounier prossegue sua discussão do desenvolvimento político brasileiro dilatando a idéia já concebida sobre a continuidade das pesquisas já realizadas muito antes do estabelecimento das universidades. A reflexão política, anterior à sua institucionalização, dotada de prestígios tradicionais foi decisivo para a compreensão de características enraizadas na Ciência Política, de certa forma também a legitimando. A análise destas tradições também permite explicar o motivo de as Ciências Sociais, de um modo geral, persistir a sua expansão mesmo condicionadas ao autoritarismo político acentuado após o golpe de 1964.
Segundo o autor; que realizará uma crítica sobre a aplicação reducionista de meros “tratados de administração” ou “conservadorismo burocrático”, de Mannheim, nos produtos da política; existe um aspecto singular no papel da Ciência Política brasileira que vai de encontro com estes preceitos funcionário típico-ideal de Mannheim. Explica isto ao relativizar os tipos de burocracia existentes na Alemanha e no Brasil. A burocracia brasileira ainda era precariamente institucionalizada durante o Império e a República Velha, portanto tomava um papel de baixa influência. Em contrapartida, a burocracia alemã, já bem instalada, era prestigiada pelos próprios membros executivos da máquina burocrata, também autores dos “tratados de administração”.
Para uma melhor ilustração de sua análise, Bolivar Lamounier irá impor um paralelo entre os desenvolvimentos da ciência social na Alemanha e Estados Unidos, observando a fragilidade do Estado nacional alemão, recém-formado, como estopim fundamental para a exigência de um núcleo bem estruturado de cientistas sociais, na tentativa de viabilizar resoluções para os problemas do estado e de construir um tecido social perdurável, naquele momento histórico de mudanças. No caso brasileiro, naqueles tempos de recém-instalação da república, quando o escravismo ainda acabara de ser abolida e a atividade econômica baseava-se na exportação de produtos agrícolas e matérias-primas, os intentos eram bastante voltados na consolidação dos interesses da camada social comandante. As massas eram vistas como um agregado amorfo, invertebrado e sem contornos definidos, assim também eram enxergados os intelectuais.
Portanto, há de se imaginar que a formação da Ciência Política nacional partiu de problemáticas na qual a formação e consolidação do Estado era parte essencial. Tal noção de necessidade vigente formou uma das etapas do agendamento de debates públicos da Ciência Política proposta pro Fábio Wanderley Reis. De fato, a formação estatal brasileira ganhou solidificação pós-1930 com a efetivação do controle do território nacional e a garantia de segurança mínima da população.
Além desta meta, Reis afirmou a emergência da implantação e ampliação da igualdade, definindo as “áreas de igualdade” e suas medidas. A política de massas surgida após a Segunda Grande Guerra se chocava com a preocupação mais primordial do fortalecimento do poder central, em razão da expansão do próprio intervencionismo estatal na aplicação de mecanismos variados que objetivam a ampliação das áreas de igualdade. A estratégia político-econômica de substituição de importações, a fim de reduzir a dependência externa, também corroborara para a impotência na consolidação da igualdade. A próxima medida proposta por Reis tem um caráter não-imediatista, por representar um alcance pós-ideológico, quando houver uma igualdade e elevação dos padrões de vida concretizadas no Estado. Fica notório afirmar que esta etapa não forma algo construído no Brasil, especialmente durante o período de divisões ideológicas evidenciadas no regime militar (1964 – 1985).
A periodização elaborada, desta vez, por Lamounier contará com seus estudos sobre a situação político-econômica pós-1964, a partir dos constantes questionamentos a respeito da suspeita concentração do poder se contrapondo com o explosivo desenvolvimento econômico.
O cenário político, portanto, se distinguia pela ampliação e constância das reivindicações de igualdade com a participação de várias categorias sociais. Com isso, chama a atenção das problemáticas mais concretas desse período para formar suas etapas de agendamento de debates públicos. A primeira diz respeito à importância do entendimento da consolidação do Estado nacional através de trabalhos isolados de pensadores autoritários do início do século passado. Entretanto, estes trabalhos, para a época, não tinham a metodologia acadêmico-científica. Baseava-se mais em um jogo de luta ideológica.
Os autores mais conceituados citados por Lamounier são Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Nestor Duarte. Apesar das divergências destes, todos convergiam seus raciocínios sobre dois pontos pertinentes na análise do contexto sócio-políticos:
“(a) ao nível das elites dominantes, a coesão dos grupos familiares, baseada na propriedade da terra, impedia a diferenciação da esfera ‘pública’, tornando inviável a consolidação do Estado; (b) ao nível das massas, a pobreza generalizada e a dispersão espacial fomentavam uma espécie de massificação pré-capitalista...” (p. 413)
A intervenção estatal premeditada foi possibilitada, segundo o pensamento autoritário, pela identificação dos agentes capazes de provocar as mudanças e a escolha dos meios tencionados sob as luzes desta preocupação. Estes meios, por sua vez, provocaram a rigidez do sistema, seja pela força ou pela subestimação das fissuras internas da oligarquia e dos focos de contestação da vida urbana e pela industrialização recente.
Em contrapartida, ocorre a superestimação dos agentes estatais, do poder e da coesão. A ameaça da coesão territorial e a promessa de um progresso sob uma elite intelectualizada formaram a situação-conjunto que desencadeou o golpe de 1930. O resultante disto é identificado no surgimento de um sistema político misto e possuído de uma complexidade bem maior que aquilo que existia até então. Segundo Victor Nunes Leal, houve um contínuo desequilíbrio entre o sistema oligárquico já enfraquecido e um poder do Estado em ascensão. Apesar do sistema autoritário, o que havia sido instalado era um sistema representativo que culminava seu ápice na representação eleitoral (que vingava, por um lado, as fraudes do clientelismo e, por outro, a eficácia do poder publico), conseqüentemente, na continuidade do arcabouço pelo qual o sistema se alimentava.
Assim como Victor Nunes Leal, Orlando de Carvalho, Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe e Afonso Arinos de Melo Franco, entre outros, ancoravam o pensamento político clássico dos anos vinte e trinta, para a construção de alternativas práticas paras as problemáticas da Constituição de 1946. O processo eleitoral era um reflexo do artificialismo partidário vigente, por proporcionar uma pobre participação popular, especialmente ao observar o fato dos direitos eleitorais não serem uniformes em espaços urbanos e rurais, concentrada mais firmemente apenas nos espaços urbano-industriais. O intervencionismo estatal deixava reduzidas lacunas para discussão sobre as instituições e práticas democrático-representativas. Sob esta temática, a devida importância aos trabalhos de Orlando de Carvalho, utilizando-se do empirismo para descrever as realidades de diferentes regiões.
“Nesta mesma linha de raciocínio, cumpre destacar os trabalhos de Gláucio Ary Dillon Soares, cuja contribuição, publicada em livro com grande atraso, em 1973, foi desde o início no sentido de mostrar que os partidos, e até mesmo as chamadas lideranças “populistas”, tinham bases sociais e ideológicas diferenciadas.” (p. 416)
“Há, pois, nos trabalhos de Orlando de Carvalho e de Gláucio Soares algo de continuidade e algo de ruptura em relação ao que se fazia antes de 1945” (p. 416)
“Voltando nossa atenção para outras áreas de pesquisa e, especialmente, para as duas instituições de maior prestígio na época, o ISEB e a USP, torna-se perceptível uma continuidade mais profunda com a antiga tradição de pensamento brasileiro” (p. 416)
“A ‘autonomia’ e a ‘modernidade’ da USP traduziam-se, nesse contexto, num estilo de análise sociológica que se voltava, de um lado, para trabalhos de campo e para estudos monográficos e, de outro, para extensas investigações sobre os traços distintivos da formação histórica paulista: a economia cafeeira, a imigração, a industrialização e seus efeitos na estrutura social”. (p. 417)
“No caso do ISEB [...] procurou retratar a estrutura econômica e política de maneira abrangente, como o objetivo explicito de fornecer diretrizes para o desenvolvimento nacional [...] as teses básicas do ISEB mantiveram uma grande continuidade com as dos anos vinte e trinta, destacando a insuficiente autonomia do Estado para promover o planejamento da economia e a industrialização, em virtude dos vínculos que o prendiam a interesses clientelistas e a grupos sociais parasitários." (p. 418)
“Parece lícito afirmar, na linha das hipóteses desenvolvidas até aqui, que o pensamento isebiano não chegou a focalizar em termos distintos daqueles que prevaleceram na literatura dos anos vinte e trinta o tema representado, tratado quase sempre de maneira difusa e com categorias de sabor populista-plebiscitário.” (p. 418)
“Transformação do marco institucional, de um modelo burocrático-mandarinístico para um pluralista e flexível. A fase de transição aqui considerada pode ser compreendida de maneira mais nítida atentando-se para a história dos programas de pós-graduação em Ciência Política. Os principais fatos são bem conhecidos: a. Com o apoio financeiro da Fundação Ford, principalmente, foram iniciados programas de pós-graduação em Ciência Política, compreendendo cursos em nível de mestrado e estudos com vistas ao doutoramento, entres últimos no exterior e destinados, fundamentalmente, ao próprio corpo docente dos referidos programas. b. Esses novos programas começaram ligados à principais universidade – o primeiro deles foi o instituído pelo Departamento de Ciência Política da UFMG, em 1965, em 1965. Mais tarde foram criadas ‘áreas’ de Ciência Política dentro de departamentos tradicionais de ciências sociais, modelo adotado no Rio Grande do Sul, na Universidade de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e na Universidade de Campinas. Com a criação do programa de mestrado em Ciência Política no IUPERJ, em 1969, iniciava-se, porém, uma inovação: o estabelecimento de um programa pós-graduado de ensino e pesquisa a cargo de um instituto autônomo, de caráter privado. c. Após uma fase inicial, fortemente dependente de grants institucionais da Fundação Ford, inicia-se um período em que os programas de pós-graduação em Ciência Política se vêem forçados a diversificar seus pedidos de financiamento, recorrendo a órgãos governamentais e a outras entidades estrangeiras, desenvolvendo-se esse esforço, de maneira crescente, em termos de projetos específicos de pesquisa. Pode-se talvez dizer que a presença da FINEP, na segunda metade dos anos setenta, vai na direção contrária a essa tendência, dada a envergadura e/ou o caráter de apoio institucional de suas doações. Permanece, porém, como um dado essencial, o crescente envolvimento dos referidos programas no mercado de projetos específicos, daí advindo, provavelmente, uma menor concentração de esforços no ensino como tal, especialmente no que se refere a cursos gerais de teoria e metodologia, e o gradativo retorno a um perfil pluridisciplinar.(p. 422-423)
A partir destas constatações, o autor condiciona o adensamento do leque temático da Ciência Política, de forma envolver todo o trabalho de pesquisa já existente e preenchendo as falhas gritantes teoricamente legitimadas.
Para um estudo sistemático, foi sensato organizar uma classificação digna de suas áreas temáticas. Lamounier se reterá, entretanto, nos discussões sobre Estado e Democracia. A literatura brasileira se divide em três grandes conjuntos:
“1) a formação do Estado brasileiro e a expansão do setor público a partir de 1930; 2) instituições militares e comportamento político das Forças Armadas; 3) condiz com os processos eleitorais e sua significação na conjuntura de ‘redemocratização’ iniciada na primeira metade dos anos setenta.” (p. 424)
O tema responsável pela formação do Estado brasileiro foi bastante debatido nos estudos de Raymundo Faoro, em “Os Donos do Poder”, e Maria Isaura Pereira de Queiroz, em “O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira”. Estes trabalhos foram enriquecidos com novas abordagens histórico-empíricas com José Murilo de Carvalho, Simon Schwartzman e Fernando Uricoechea. Os trabalhos em torno da temática da Expansão do Setor Público após 1930 saíram de uma mera área especulativa para serem enriquecidos com pesquisas minuciosas, as etapas e os mecanismos através dos quais se expandiu a máquina burocrática brasileira. Entre os autores mais destacados além de José Murilo de Carvalho, cita-se Mário Wagner Vieira da Cunha, Maria do Carmo C. de Souza, John Wirth, Edmundo Campos Coelho e Alexandre Barros.
A conceituação de Estado realizada por Simon Schwartzman tem duas conseqüências fundamentais: de um lado, a necessidade da perspectiva histórica para se compreender a formação, o tipo e o grau desse “setor” que é o Estado; de outro, que esse setor, cujo aspecto mais evidente é a organização burocrática. Neste ponto de vista, foi importante mostrar as limitações dos conceitos econômicos para compreender o papel do Estado, o que levou a nossa Ciência Política a interessar-se sistematicamente pelo estudo dos custos de remoção materializados na formação burocrático-patrimonial brasileira. Luis Werneck destaca-se como autor de teses sobre a temática, além de Maria Hermínia Tavares de Almeida e Leôncio Martins Rodrigues, trabalhando a questão do “novo sindicalismo” a partir do ABC paulista; e Amaury de Souza que procura captar a singular complexidade das relações entre governo e sindicatos. O conceito de ‘identidade organizacional’ é utilizado por Edmundo Campos Coelho a fim de recaptular o processo pelo qual as Forças Armadas construíram para si um poderoso espaço político e burocrático no seio da sociedade brasileira.
Maria do Carmo Campello de Souza entra com importantes pesquisas sobre os mecanismos de implantação do Estado burocrático a partir dos anos trinta. O adensamento temático também é visto no papel político organizados pelos militares, pesquisado por Alfred Stepan e, posteriormente, por autores brasileiros.
O processo de “abertura política”, além da necessidade de compreensão dos acontecimentos dos anos 60 e 70, deram um grande impulso nas pesquisas sobre os processos eleitorais. Estudos sobre a democracia populista são evidenciados das teses de Wanderley Guilherme dos Santos e de René A. Dreyfuss. Bolívar Lamounier e Fábio Wanderley Reis tentaram ligar estes processos eleitorais à conjuntura e à problemática político-institucional mais ampla. Wanderley Guilherme dos Santos projetou seus estudos sob o âmbito do colapso de 1964, levando às ultimas conseqüências a especificidade da esfera político-institucional, ou, à autonomia relativa dos processos instaurados pela vigência de um sistema de representação.
“... o colapso de 1964 precisa ser compreendido, inicialmente, como um colapso do mecanismo político-partidário e parlamentar.” (p. 428)
“A conexão postulada é, pois, que a paralisia decisória conduz diretamente à crise, ou mais exatamente, à violência política, definida como mudança, pela força, das regras do jogo político-representativo vigentes.” (p. 428)
“Nesta linha de raciocínio, a manutenção do calendário eleitoral com um mínimo de seriedade é parte essencial do projeto de abertura; ou, se se prefere, é algo que singulariza o regime autoritário brasileiro em relação a outros mais radicais.” (p. 429)
(Bia G.)
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