Tirinha anti-machismo: a inversão de papéis

domingo, 24 de julho de 2011



A tirinha abaixo não reflete a realidade. Isso é óbvio. Ela tem mais a ver com um exercício de reflexão. Qualquer pessoa, com o mínimo de bom senso, sabe que homens praticamente não possuem o risco de sofrer um estupro. Eles, ao saírem de casa, não saem com medo de uma agressão sexual. Eles, ao andarem sozinhos, não andam por aí temendo ser a próxima vítima de um estupro. Eles, ao viverem, não são inseridos dentro dos parâmetros da “feminilidade”, que tantas vezes é usado para justificar a agressão física ou verbal que a mulher sofre, tomando a vítima como culpada. Eles não sofrem violações ao longo dos anos.Imagine a sensação trazida pelo risco de sofrer algum tipo violação todos os dias, e durante as 24 horas completas de cada dia(agressão não tem hora), ao longo 365 dias por ano, pelo resto da sua existência. Imaginou?Pois é isso que nós, mulheres, passamos ao longo da vida.As violações que são relativizadas pela maioria dos homens. Violações que eles gostam de chamar de "cantadas".E as "cantadas" vão desde o assédio verbal até às passadas de mão ou sarros em ônibus e metrôs.A tolha da liberdade feminina já vem desde antes do nascimento, e segue a vida inteira, porque é o patriarcado reafirmando à mulher que sua existência não é autônoma e que, portanto, é baseada em condições, e essas condições devem obedecer à supremacia masculina.Essa reafirmação permite a manutenção de um sistema de hierarquização de sexos, e endossa os papéis de gênero, usados para subalternizar a mulher e aniquilar qualquer tentativa de emancipação feminina.


O problema é que até o mínimo de sensibilidade e respeito é negado à mulher.Riem das vítimas de estupro(os pseudo-humoristas que o digam).Negam que exista estupro no Brasil, e que a afirmação da existência da agressão sexual é uma forma da mulher praticar o aborto( os religiosos beócios que o digam).Ou tentam culpar a vítima pela violência sofrida(homens e mulheres machistas que o digam).É até mesmo comum ouvirmos frases que tiram a culpa do agressor, como: "mas onde você estava?" ; "você estava sozinha?" ; "devia ter sido mais cuidadosa"; ou a famosa "o que você estava vestindo?". E não há nada pior que essa transferência de culpa.Não há nada pior para uma vítima do que ser tratada como culpada por algo que é produto de uma sociedade machista, que acredita que a mulher é uma extensão, e não um ser completo, autônomo, possuidor de direitos que definem qualquer ser humano, sendo o principal deles o direito à vida.Mas até esse direito nos é negado.Dar o status de humano à mulher entra em choque com a objetificação que nos é imposta por todas as instituições.Caso isso acontecesse, teriam que nos reconhecer como iguais, e consequentemente a estrutura opressora seria quebrada. A classe dominante não quer perder. A classe dominante, composta pelos homens, não quer abrir mão dos privilégios. Pelo menos, a absurda maioria dos homens não abriria mão dos benefícios que o sistema de dominação proporciona. E, enquanto isso, precisamos conviver com os produtos do machismo, sempre uma mácula a nossa liberdade de ir e vir, a nossa liberdade de ser.


O estupro não tem a ver como desejo, ou com o próprio ato do sexo.Sexo não é isso.Mas a mente pequena das pessoas machistas não permite a reflexão.E não permite porque a desconstrução prejudica a lógica da dominação.O estupro, para quem não sabe, tem a ver com poder.É a reafirmação de "quem manda ali".É o ódio escancarado às mulheres.O estupro é produto do machismo.É um produto sintomático, e que tantas vezes é encoberto pela nossa sociedade misógina.O estupro não é uma piada.O estupro não é uma artimanha das "evas malditas para abortar pequenos cains".O estupro não tem a ver com a roupa que a mulher veste, com o lugar que ela frequenta, ou em que companhia ela sai.E sabe por quê?


"A pesquisa realizada pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o "Dossiê Mulher" apresenta dados espantosos e alarmantes, mas dentre as várias graves questões apresentadas, uma delas é mais gritante, se é que podemos classificar dessa forma os estupros, ameaças e lesões corporais dolosas, 23,2% das vítimas da violência sexual são crianças de 0 a 9 anos. Isso é brutal e imoral. E segue com outros 30,3% que se encontram na faixa etária entre 10 e 14 anos. - Fonte: http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2011/abril/pesquisa-do-isp-revela-que-criancas-e-adolescentes-representam-53-5-das-vitimas-de-estupro-contra-a-mulher-em-2010"



Essa estatística diz muito, não é?Acho que nem é preciso completar e dizer que nada no mundo justifica o estupro.Simplesmente porque o estupro nem deveria existir.Já que existe, obedece uma lógica.Se a lógica tem a ver com o poder, deriva de um processo de dominação, em que há o dominador(estuprador) e o dominado(vítima).Se há duas vertentes opostas, e uma delas se apresenta como dominadora, configurada pela idéia de poder, é porque essa vertente se reconhece como superior.E essa mesma vertente, dita superior, reconhece seu oposto(antagonismo derivado do ordenamento organicista que se desdobrou para o âmbito social), a mulher, como um ser inferior, um objeto que deve garantir sua satisfação, sendo essa a satisfação do poder.E já que o estupro ocorre majoritariamente com mulheres quer dizer que os estupradores(sim, os homens) herdaram a idéia de superioridade de algum lugar, e é a idéia de supremacia que precede os atos de violência contra a mulher.E nem é preciso pensar muito para perceber que a idéia de superioridade nasce do machismo.O machismo é um mal que precisa ser extinto para que haja humanidade.


Espero que as pessoas tenham um pouco mais de empatia pelas mulheres vítimas de estupro, principalmente os homens, que não sabem o que é viver sob a pressão da misoginia. Que eles imaginem como seria se a situação fosse inversa. E se eles fossem as vítimas? E se eles vivessem o risco de uma agressão sexual diariamente? E se eles fossem culpabilizados pela violência sofrida?E se eles sentissem, na pele, como a falta de empatia machuca, e como ela também promove a banalização da agressão física, verbal e psicológica?Será que esse exercício de reflexão despertaria o mínimo de respeito pela dor de outra pessoa?Sinceramente, eu espero que sim.Tomara que eu ainda esteja aqui quando a humanidade de fato começar a se estabelecer.




De A Tormenta Social



(Mari N.)

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