A marcha das vadias de Fortaleza o desafio da mulher Aborto Livre Reflexão política no Brasil
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Liberdade de preconceito









Antes de tudo, é preciso esclarecer a diferença entre liberdade de expressão e permissividade de expressão.A primeira consiste em responsabilidade, e não tão somente no auto direito de verbalizar aquilo que parte de um julgamento subjetivo, constituído por uma herança de símbolos culturais, e que, portanto, não obrigatoriamente está submetido à lei de concórdia social(respeito ao bem-estar coletivo).E, em termos de direito à liberdade de crença, não é preciso discutir.É assegurada, a cada indivíduo da nação, a prática de sua crença.Teoricamente, claro.Desde que essa crença não seja produto de uma cultura afro, ou pagã, porque, então, direta ou indiretamente, sabemos que os movimentos fundamentalistas vão caçá-las, tal qual fazem com os homossexuais (porque, de fato, esses grupos fundamentalistas não se importam com a igualdade.Mas sim com a imposição e aniquilação das variabilidades sociais).E os homossexuais são o alvo da vez.A marcha para Jesus, ocorrida no dia 23 de junho de 2011, em São Paulo, virou ato contra os direitos homossexuais:

"Quem defende o homossexualismo e a maconha está aqui a serviço de Satanás", disse o auxiliar de informática Natanael da Silva Santos, de 19 anos, que foi à marcha usando calça apertada, cinto de taxinhas e a tradicional franja emo. Enquanto a reportagem entrevistava os jovens, a aposentada Jovelina das Cruzes, de 68 anos, ouviu a conversa e fez uma intervenção. "Vocês estão falando sobre o que não conhecem. Meu sobrinho é gay e é um rapaz maravilhoso. Ótimo filho, muito educado, muito honesto e estudioso. Já o meu filho é machão e vive batendo na esposa, não respeita ninguém, não para no emprego."

Quando Jovelina virava as costas para continuar a marcha Natanael, que não se deu por vencido, fez uma observação. "Cuidado, tia. Se o pastor escuta a senhora falando uma coisa dessas ele não deixa mais a senhora entrar na igreja". E Jovelina respondeu. "Igreja é o que não falta por aí. Se me impedirem de ir em uma, vou em outra. Não tem problema."


http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/marcha+para+jesus+vira+ato+contra+uniao+homoafetiva/n1597044443203.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter


Isso mostra a intolerância crescente. Expõe, também, os instrumentos de controle sobre as massas.Uma manobra mesquinha de líderes religiosos que estão preocupados com o ter ao invés do ser.Ainda que parte da marcha tenha ido professar o amor a Deus, a outra parte, e essa é mais relevante por acusar um sintoma de perseguição, estava lá para combater a igualdade.Sim, combater a igualdade.O que é verdadeiramente triste partindo de um ser humano que conclama a liberdade de expressão, a liberdade de crença, e combate a liberdade de ser de um outro semelhante.E, por mais paradoxal que pareça, são movimentos cristãos.

Sinceramente, gostaria que ninguém acreditasse em um livro escrito por homens, com seus pré-juízos, e que objetivavam manter a casta de benefícios.Adoraria que as pessoas confiassem na ética.E penso assim porque já não creio em um ser imaterial, perfeito, que tudo sabe, então nem mesmo a bíblia faz diferença.Mas tem gente que acredita.Eu, por exemplo, já acreditei.Então, relembrando minha época religiosa, vejamos alguns trechos bíblicos que são fundamentais na constituição de um cristão:

Mateus : Capítulo 7

1 NÃO julgueis, para que não sejais julgados.
2 Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.
3 E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?
4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu?
5 Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.


Mateus : Capítulo 22

34 E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar.
35 E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo:
36 Mestre, qual é o grande mandamento na lei?
37 E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
38 Este é o primeiro e grande mandamento.
39 E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
40 Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.


Marcos : Capítulo 12

28 Aproximou-se dele um dos escribas que os tinha ouvido disputar, e sabendo que lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: Qual é o primeiro de todos os mandamentos?
29 E Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único Senhor.
30 Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento.
31 E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.
32 E o escriba lhe disse: Muito bem, Mestre, e com verdade disseste que há um só Deus, e que não há outro além dele;
33 E que amá-lo de todo o coração, e de todo o entendimento, e de toda a alma, e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios.
34 E Jesus, vendo que havia respondido sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E já ninguém ousava perguntar-lhe mais nada.


Lucas: Capítulo 18

18 E perguntou-lhe um certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna?
19 Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus.
20 Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe.
21 E disse ele: Todas essas coisas tenho observado desde a minha mocidade.
22 E quando Jesus ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me.
23 Mas, ouvindo ele isto, ficou muito triste, porque era muito rico.
24 E, vendo Jesus que ele ficara muito triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!
25 Porque é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.
26 E os que ouviram isto disseram: Logo quem pode salvar-se?
27 Mas ele respondeu: As coisas que são impossíveis aos homens são possíveis a Deus.
28 E disse Pedro: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos.
29 E ele lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, pelo reino de Deus,
30 Que não haja de receber muito mais neste mundo, e na idade vindoura a vida eterna.



Sabe o que é irônico nisso tudo?É que o amor (e amor verdadeiro, segundo Jesus, é irrestrito, porque, se você coloca condições, deixa de ser amor e passa a ser conveniência), a não-acusação, o desapego material cedem espaço para o orgulho.E esses ensinamentos são deixados de lado porque, de fato, na cabecinha dessa gente ignorante, não é apropriado despir-se de preconceitos.Imagina dar todo o seu dinheiro aos pobres e viver da forma mais simples possível.A verdade é que esses grupos praticam aquilo que convém a sua visão de mundo, em uma forma de fazer a manutenção dos benefícios particulares.Nunca vi nenhum deles se destituir de todos os bens materiais e viver unicamente para Deus.Pelo contrário, vejo vários pastores ficando ricos às custas das ovelhinhas.Pastores capitalistas que usam a fé e a ignorância alheia para fazer fortuna. Empunham a bandeira de defensores dos valores morais, onde esses valores são os mesmos que perpetuam a segregação social.E acusam, humilham, perseguem, aqueles que são diferentes.Mas não só os evangélicos andam nesse momento de caça às bruxas.


Há alguns dias atrás, Myrian Rios, deputada estadual pelo PDT-RJ, ao fazer suas considerações sobre a PEC-23, no plenário da Alerj (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro), associou homossexualidade à pedofilia, e teceu uma série de injúrias aos homossexuais brasileiros.Para quem não sabe, a Myrian Rios é católica, missionária da comunidade Canção Nova.E para quem não sabe, também, a PEC-23 é uma emenda à constituição do RJ, que coloca a orientação sexual no plano dos direitos fundamentais.Esta mulher beócia, que se acha uma política ética, não sabe nem mesmo o que é orientação sexual.Ela fez um discurso repleto de preconceitos, e inseriu a homossexualidade no rol das patologias.

-Myrian Rios, os piores pedófilos são aqueles que se escondem atrás das batinas.Combata primeiro esses.Combata primeiro a hipocrisia clerical.Aproveita e aprende a fazer um discurso digno, que seja analítico sobre a conjuntura social , e que não incite o ódio às minorias.



A Myrian Rios é mais uma que usa a bíblia para justificar as próprias iniquidades. Não vou colocar o vídeo com o discurso desta beócia porque não vale a pena.É fácil de encontrar no youtube.Prefiro colocar a sátira, que faz jus a sua incapacidade cognitiva:






Essa iniquidade da Myrian Rios e de vários outros segmentos fundamentalistas é importante para mostrar que a bíblia, no sentido literal, vira uma arma de guerra.Portanto, não se pode ler um livro que tem milhares de anos ao pé da letra.Deve-se levar em consideração o contexto em que foi escrito, no caso a sociedade patriarcal, e a interferência de outras culturas sobre essa sociedade.É necessário considerar as variações das traduções ao longo do tempo.Também relevar as metáforas e toda a ambiguidade que isso pode vir a causar.A linguagem é produto de um povo, é produto de um época, e portanto está impregnada de crenças silenciosas.E por quê?Porque a língua é ideológica.Retirá-la do contexto, sem fazer ressalvas quanto à cultura da época, impossibilita descobrir o que de fato se quer dizer.Qualquer livro, em sentido literal, deixa de ser um norteador, e toma aspecto de arma de destruição das diferenças.E, nesses trechos bíblicos que mostrei, não há espaço para destruir o próximo, para acusar, para condenar, porque não está nas mãos da pessoa esse direito de julgo.Esse direito deveria estar nas mãos do Deus do Cristianismo.Porém, esses segmentos cristãos, na prática, enquanto pregam um conceito torto, torpe, mesquinho de amor, impregnam ódio no substrato social.Óbvio que nem todos os cristãos são assim, vide a dona Jovelina das Cruzes, que mostra ser possível conciliar fé cristã e legitimação da diferenças.Mas ultimamente, tudo que vejo é essa onda de conservadorismo, que teima em impor leis religiosas, e que tenta desmontar toda a qualidade daquilo que é laico.


Vale salientar, também, que a liberdade de expressão deixa de ser liberdade quando fere a ética.A prerrogativa de liberdade assevera a legitimação da diferença e, com isso, resguarda os direitos do outro.Usar o juízo de valor para remontar a perseguição e o ódio indiscriminado é uma maneira tacanha de assegurar privilégios de uma classe dominante, em geral a dos heterossexuais brancos da classe média.E isso não quer dizer que todo heterossexual branco da classe média introduz e reproduz conceitos limitados de aversão à diferença.Entretanto, é inegável a presença de nichos retroativos que objetivam a construção da linearidade social, e que se colocam acima da ética ao reproduzir discursos intolerantes que induzem à perseguição.E, se isso não é crime, então o que é?




Crime é usar imunidade parlamentar para reproduzir alocuções inflexíveis e incitar o ódio às minorias.Crime é coadunar abertamente com políticos reacionários, que defendem, inclusive, a tortura.Crime é fazer uso da máquina política para tolher a liberdade de algum grupamento social.Crime é a relativização dos assassinatos de homossexuais.Crime é a violência física-psicológica-social que a mulher sofre todo dia.Crime é a segregação racial.Crime é a estratificação econômica.Crime é usar o kit anti-homofobia como moeda de troca para manter político antiético. Crime é ser representante do povo, mas deliberar sendo norteado pela fé particular, e colocá-la acima do bem-estar da população, que pluricultural. Crime é fazer piada sobre vítimas de estupro.Crime é marginalizar pessoas com alguma limitação física ou psicológica.Crime é usar o nome de um deus para humilhar e subalternizar pessoas inocentes.Crime é a quebra da isonomia social.Isso sim é crime.Ou melhor, isso sim deveria ser crime, porque, infelizmente, nosso país ainda garante um liberalismo quase patológico no âmbito da “manifestação de pensamento”.Algo que não é liberdade, porque fere a dignidade do outro.É, sim, uma permissividade doentia, de infiltração das mais mordazes ideologias classicistas.Ausência do respeito, do bom senso, da legitimação da diferença.É a ferida aberta no coração da política.Falar, de forma irresponsável, as crenças individuais não significa livre exercício do pensamento.Significa livre exercício da manutenção de privilégios.Significa livre exercício da sobreposição de costumes.Significa livre exercício de um processo etnocêntrico.A liberdade que muitos conclamam não passa da liberdade de ofensa.É a forma prática de imputar, ao outro, o grupo diferente, padrões comportamentais.Fazer o outro ser enxergado como amoral, mesmo que seja impossível ser amoral. Afastar o outro do centro das decisões sociais.A permissividade doentia é exercida, sobretudo, por grupos conservadores, grupos que se colocam em posição “civilizada”, como algo excepcional.E só essa reorganização dos espaços sociais mostra a crença na superioridade, que vai embutida nos discursos de ódio que esses defensores da liberdade preconizam.A liberdade de expressão, para eles, não passa de um instrumento de coerção.A repressão à diferença.A repressão à luta pela igualdade.

Liberdade é completamente diferente de permissividade.O permissivo não é moderado, não respeita a ética nem os segmentos dentro da sociedade.O permissivo é egocêntrico, etnocêntrico e reacionário.O permissivo não sabe o que é amor ao próximo.Nem mesmo sabe em que consiste o respeito.Porque, no fundo, o permissivo não quer o direito de ser quem é, mas o direito de não deixar o outro ser quem ele é.O permissivo quer o direito de ser preconceituoso, de assegurar que a diferença não exista, e que essa linearidade social possa garantir seus privilégios classicistas.O permissivo é o ignorante.É a personificação de tudo que não deve existir na política.

E é exatamente essa permissividade que precede a existência de alguns políticos brasileiros.Esses politiqueiros esquecem que, embora tenham sido eleitos por uma parte da população, eles governam para todos, e não tendo em vista apenas os interesses da parcela que os elegeu. Eles governam para os gays, para os negros, para pessoas com alguma limitação física ou mental, para os pobres, para os velhos, para os ateus.A função política, no momento de sua ação, deve ser superior à fé, porque a política é um ofício fundamental.Se não consegue essa imparcialidade, pois que não entre na política, porque ela é configurada pela deliberação da coisa pública visando o bem-estar coletivo, de todos os segmentos, e não só daquele que lhe convém.Portanto, a política, em termos de desenvolvimento da sociedade, é inclusiva.Não é exclusiva, com base em preceitos religiosos, ou no que quer que seja.Essa política inclusiva é ética, porque obedece os direitos inalienáveis do indivíduo.

Para completar, preciso falar da liberdade de expressão como elemento avalizador da coesão social, e não da cisão social. Aquele que conclama a verdadeira liberdade sabe que ela implica em respeito, e que possui limites, e o limite é o direito, o espaço, a dignidade do outro.Não da crença.Não da idéia.Não do dogma.Mas o resguardo do ser humano, que pensa, age e vive diferente.Nenhum discurso deve se sobrepor ao direito à vida, ao direito à igualdade, ao direito à continuidade do outro.Quando a dita liberdade de expressão fere a dignidade do outro, ela não é mais liberdade, mas sim um profundíssimo senso de superioridade, e uma permissividade doentia que tem levado à morte da ética.




(Mari N.)
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Metafísica VII











PARA UMA AVENCA PARTINDO



— Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.



Caio Fernando Abreu no livro FRAGMENTOS - 8 histórias & 1conto inédito.


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O que é a Mais-Valia e como ela é apropriada no sistema capitalista






O sistema capitalista, fundamentado na produção, também transforma a força de trabalho em mercadoria.O indivíduo, sem ser o possuidor dos meios de produção, e só tendo a força de trabalho para garantir a sobrevivência, vende-a em um mercado, passando a depender do que oferecem pelo seu trabalho.


Por conseguinte, cria-se uma segregação social, onde duas vertentes se apresentam: o proletário x o detentor dos meios de produção(capitalista).E isso é figurado na idéia de oposição de classes proposta por Marx.


E uma das formas de exploração capitalista está presente na mais-valia.O homem, ao vender sua força de trabalho, recebe, em troca, um salário, que é o preço definido como o de qualquer mercadoria.Essa força de trabalho é adquirida junto com a matéria-prima e os equipamentos necessários para garantir a produção.Sendo que a matéria-prima e o maquinário preciso constituem o capital constante, pois fundamentam o chamado trabalho morto, já que não geram valor.E isso é contrário ao capital variável, constituído pelo trabalho vivo, que é o indicativo geral dos salários pagos aos trabalhadores.Nesse contexto, infere-se que, na fabricação, o produto final é uma nova mercadoria, pois, acima de tudo, é dotada de um valor criado pela força de trabalho.


O novo valor é conseqüência da disparidade entre o salário pago e o valor do trabalho produzido, ou seja, é derivado da mais-valia.O ordenado pago ao trabalhador não representa o percentual do que ele produziu.A mais-valia é o trabalho vivo não-pago.



Por exemplo:



1)Supondo que, em uma fábrica de bolsas, trabalhem 100 funcionários.


2)Imagine que cada funcionário produz, por mês, 100 bolsas.


Portanto, o total, no mês, é de 10.000 bolsas:


100 (número de funcionários) x 100 ( bolsas produzidas por cada um) = 10.000.


3)Suponha que o dono da fábrica venda cada bolsa por 50 reais.Conclui-se, portanto, que o total arrecadado é de 500.000 reais:


10.000 (total de bolsas produzidas) x 50 (preço de cada bolsa) = 500.000 (total arrecadado).


4)Suponha, também, que o salário de cada funcionário é de 300 reais por mês.Logo, infere-se que o capital variável gasto com o pagamento dos funcionários é de 30.000 reais por mês:


300 ( preço do salário) x 100 (número de funcionários) = 30.000.



5)Considere que o dono da fábrica tenha gasto com matéria-prima, locação, maquinário, cerca de 90.000, o que configura o capital constante, já que não cria valor.


6)Infere-se que a mais-valia seja igual a 380.000 reais:


30.000( capital variável)+ 90.000(capital constante) = 120.000 reais.


500.000( arrecadação total) - 120.000 (Capital constante e

variável) = 380.000 (Mais-Valia).



Ou seja:


Um funcionário produz 100 bolsas, mas só fica com o dinheiro equivalente a 6 bolsas.

Enquanto que o capitalista, sem participar da produção, sem trabalhar, fica com o equivalente a 7.600 bolsas.


Logo, o que se nota é a presença de um trabalho não pago.Ocorre, por parte do capitalista, a compra do volume de mercadoria.


O capitalista apropria-se do que o trabalhador produziu durante um determinado período de tempo, havendo uma clara dissonância no que se refere ao que é pago e ao que se foi produzido pelo trabalhador.Isso se configura como a mais-valia absoluta.Entretanto, há, também, a mais-valia relativa, que é o emprego de novas tecnologias para aumentar a produção, aumentando também o tempo de trabalho, mas sem que os salários aumentem.Portanto, o dinheiro recebido pelo capitalista, após a venda do produto, é sempre marcado pelo adicional de dinheiro proveniente da mais-valia, que configura um lucro em altíssima proporção.


A questão é que, invariavelmente, o proprietário dos meios de produção fica com a maior parcela sobre os produtos vendidos.E o trabalhador, que esteve diretamente relacionado com a produção, é explorado em um sistema que visa apenas a arrecadação, o lucro, e não se importa em “objetificar” almas.






(Mari N.)
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O processo de acumulação de capital e a expansão do sistema de acordo com a análise de Marx sobre o Capitalismo




A crítica ao capitalismo proposto por Karl Marx teve uma abrangência dinâmica ao averiguar a realidade sócio-econômica, de forma a analisá-la de acordo com suas transformações, gerando o dinamismo das proposições e conceitos teóricos da economia cuja finalidade se observa na tentativa de elaboração de uma base política que reflita a vida ideal e que dilua as apreensões do homem.



Esta abordagem dinâmica da concepção marxista teve, como precedentes, os mercantilistas, embora estes não tendo formulado trabalhos que reconhecessem problemas básicos para a formação de uma escola econômica, formaram um grupo que, vinculados aos primeiros reis da época moderna, manifestaram uma nova forma de organização administrativa dos Estados recém-formados, visando atender às transformações (dinamismo) do sistema sócio-político-econômico vigente no período que compreende a transição da Europa feudal para a capitalista.

Sob esta nova metodologia de abordagem da realidade, alguns pontos mercantilistas em especial devem ser discutidos e parametrizados com os métodos classicistas de análise econômica. A princípio, a visão dinâmica alterou a noção clássica de que a economia deve se restringir os princípios equilibristas naturais das coisas, inclusive na relação entre as forças de mercado (oferta e procura) cuja função do Estado era bastante reduzida. Em contraposição de tal modelo teórico da antiga escola econômica, o conceito mercantilista da época se abrangeu e defendeu que o sucesso na expansão econômica dos Estados modernos estava atrelado à contínua acumulação de metais preciosos, portanto, devendo-se inclinar toda uma campanha estatal a esta ação econômica, a fim de facilitar a fabricação de equipamentos tanto militares quanto civis, estes principalmente no tocante à expansão comercial.

Este novo conceito, como conseqüência, desencadeará novos procedimentos, aconselhados aos novos reis a seguir. Impôs, assim, na tentativa de evitar a desvalorização de produtos por outros produtos (especificamente dos mais arcaicos pelos mais modernos), a necessidade de armazenar a riqueza da nação sob a forma de dinheiro, evitando que o estoque dos produtos os desvalorizasse. Seguindo ainda os mesmos objetivos acumulativos, o Estado deve se portar como protecionista, cuja finalidade se concretiza na elaboração de uma balança comercial positiva, buscando a retenção de um maior volume de dinheiro, desta vez, externo.

A teoria da necessidade de acumulação citada servirá de grande valor na construção da Escola Marxista de análise econômica, no decorrer do processo de concretização do modo de produção capitalista, fundamentada na crítica ao novo sistema e na elaboração teórica do chamado comunismo marxista, caracterizado por uma formação social condizente com o elevado grau de evolução humana, partindo do princípio do homem como sujeito de sua própria história, dando contorno ao projeto que este tinha em mente. Entretanto, não tomará tal procedimento teórico mercantilista de forma acabada.

Num primeiro momento, inclinará seus estudos à crítica ao socialismo utópico, objetivando a desconstrução idealista daquilo que os utópicos chamaram de socialismo, baseado na ausência de uma base teórica construída sobre os pilares do que Marx nomeia de materialismo histórico. Dessa forma, os utópicos deturpavam e anulavam a característica sociável do homem, enquanto ser naturalmente político, de forma a despertar outro tipo de homem distinguido por suas tendências positivistas.

Noutro momento, passado toda a discussão que permeia vários aspectos dos estudos de Marx; como o aprofundamento do materialismo histórico, a idéia de estrutura e superestrutura, o desenvolvimento dos modos de produção, entre outros; diferenciar-se-á da noção mercantilista de acumulação ao tomar como objeto de estudo não mais a acumulação de dinheiro, mas sim, a acumulação de capital. Portanto, inicialmente confrontará as diferenças entre dinheiro e capital. Assim, conceituará o capital como sendo o dinheiro que se transformou em produto final após este ter passado por todo um processo de modificação que resultou no acréscimo em cima do seu valor primitivo. Tal processo de transformação, que se concretiza na produção de capital, terá como formas mais viáveis de sobrevir a circulação indireta de mercadoria e a exploração do valor trabalho. Nesta relação, observa-se que o dinheiro é transformado em mercadoria, através do vendedor que recebe tal dinheiro de um comprador o qual se apodera de uma única intenção: de receber o retorno do dinheiro que lançou em circulação já adulterado pela diferença quantitativa sobre o valor inicialmente imposto pelo tal comprador. Isto se solidifica somente quando o dinheiro primitivo, transformado em mercadoria, é retransformado em dinheiro novamente (incluindo o acréscimo), surgindo, assim, a mais-valia, berço de uma das principais críticas marxistas.

A exemplo ilustrativo de tal processo pode-se verificar quando alguém, designando investir na venda de determinado produto, assenta uma certa quantia em dinheiro para que o receptor, ou vendedor, receba aquele dinheiro e assuma a responsabilidade de, agora, vender para outro comprador tal produto cujo preço será maior que a quantia de dinheiro investida pelo comprador inicial.

A exploração do valor trabalho se dá através da obtenção da mais-valia sobre o próprio trabalho vivo (transformado também em mercadoria no sistema capitalista) não-pago do trabalhador. O trabalhador, condicionado a vender a sua força de trabalho, e também alicerçado pela alienação imposta sobre tal força de trabalho, para garantir sua sobrevivência e reprodução, somente recebe uma parcela das horas de trabalho realizadas no processo produtivo de, por exemplo, uma determinada empresa para a qual ele trabalha.

Sob este raciocínio, Marx explica o processo de expansão do sistema. O capitalista deverá investir dinheiro para comprar tanto os meio de produção quanto a força de trabalho, pretendendo ganhar um retorno em capital, portanto maior que a quantia investida no momento inicial. Ele necessita se apoderar deste tipo de investimento para continuar seu processo produtivo, garantindo mais lucro, como num ciclo. Para tanto, também necessitará do acúmulo de capital, ou seja, da mais-valia.


(Bia G.)

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Você sabe com quem está falando?



Está na hora de refletir sobre os nossos papéis como atores sociais, ou como enxergamos esses papéis.Não somos melhores em nenhuma instância, porque o sentido de melhor já carrega a idéia da estratificação. E nossos conceitos não são superiores, porque a cultura não é estamental quando há um vínculo direto com a ética. Não há sociedade justa, igualitária, verdadeiramente isonômica, sem haver, antes de tudo, o conhecimento prévio sobre o respeito às diferenças.


E, ao ver o Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador, palestrando sobre esse tema, você percebe como é importante o pensamento crítico para desmistificar a idéia de superioridade social.Esse vídeo é bastante esclarecedor.

Sabe Com Quem Está Falando? from Santos Idag on Vimeo.



É hora de repensar, não?



(Mari N. e Bia G.)
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O Estado do Bem-Estar Social e a construção de um novo Capitalismo






A trajetória histórica do desenvolvimento do Capitalismo mostra um alicerce ideológico centralizado no mercado, na produção, e estimulado pelo processo de competitividade.Preconiza princípios básicos que determinam sua existência, como a propriedade privada dos meios de produção; acumulação de lucros; livre concorrência( participação mínima do Estado); trabalho assalariado(advindo da venda da força de trabalho, que também se torna mercadoria dentro da lógica do sistema).Gradualmente, cria-se um claro antagonismo entre os proprietários dos meios de produção e os que não são donos dos meios de produção e que, portanto, ficam sujeitos a expropriação da força de trabalho.Por conseguinte, nessa sistemática capitalista, a cisão social e econômica subjuga o grupo dotado apenas da força de trabalho.Esse grupamento, para garantir a supressão das necessidades básicas( garantia da sobrevivência), vende a força de trabalho por uma quantia de dinheiro(salário) para um proprietário de empresa, que compra, na verdade, a força de trabalho por um período de tempo.Então, é necessário fazer esse levante para traçar um paralelo em relação à questão da estratificação social(oposição de classes) como produto do sistema capitalista, que parte na contramão de um processo de igualação política, econômica e social, pois visa atender às necessidades privadas em detrimento das necessidades coletivas, como é um exemplo materializado na acumulação de lucros, onde este é reproduzido, em grau máximo, na Mais-Valia( o ordenado pago ao trabalhador não representa o percentual do que ele produziu), o que demonstra a constante expansão do sistema.Isso é importante para mostrar em que implica a dinamização do sistema, e altercar em relação à desigualdade que se contrapõe ao desenvolvimento técnico-científico conquistado ao longo da implantação do Capitalismo.E, posteriormente, essa dualidade vai ser essencial na explicação quanto à dualidade de blocos completamente antagônicos no que tange os princípios de ordenação própria, e que vão tomar forma, sobretudo, no período da Guerra Fria.



Em 1917, a Rússia, com a Revolução Vermelha, dos Bolcheviques, trouxe à tona um novo sistema, com princípios políticos, econômicos e sociais contrários aos instituídos pelo Capitalismo.O novo sistema tinha como intenção superar o Capitalismo e criar uma nova disposição social e econômica, valendo-se das idéias de Marx e Engels, onde tinha como objetivo a erradicação da propriedade privada; a implantação de uma economia planificada; e extinção da sociedade de classes, exatamente a que era produto da expansão do sistema vigente mundial.Houve, posteriormente, um processo de ampliação das idéias socialistas.E, com o fim da II Guerra Mundial, grande parte do Leste Europeu passou a fazer parte do bloco socialista.Esse processo de fortificação, de inseminação de idéias socialistas na Europa, que fomentavam novos alicerces ideológicos, apresentou-se como uma ameaça ao sistema capitalista.Consequentemente, vingou uma polarização mundial (socialismo x capitalismo), e a corrida espacial e armamentista que tão bem caracterizou a Guerra Fria, definida como um período de paz armada, de tensão global.É importante mostrar que essa insurgência socialista somada às consequências da Crise de 1929 trouxe novas formulações que visavam garantir um ordenamento social, econômico e político do sistema capitalista.




A Crise de 1929 foi um fator determinante na constituição desses ordenamentos reformistas, pois foi devido as suas consequências que se despontou uma série de questionamentos.Um deles foi referente à aparente fragilidade do Liberalismo ante o efeito das crises periódicas.Logo, as principais potências econômicas romperam com as fundamentações do Liberalismo convencional.Nesse contexto, surgiram as postulações acerca da instabilidade, fraqueza, demonstrada pelo Liberalismo, onde se destacou Keynes ao apresentar a oposição dual entre a teoria clássica e sustentação prática na economia.Esse foi o ponto de partida que levantou duas problemáticas fundamentais:


1)O papel do Estado nos momentos de crise:


Intervenção estatal para redinamizar o sistema e garantir a harmonia do mercado.E isso mostrava a relação paradoxal entre os princípios da economia de mercado e o direito à dignidade humana.A expansão do sistema, com máxima acumulação de lucros, ia de encontro ao processo de conjuntura dos direitos inalienáveis ao ser humano, como o de assistência e garantia de renda.



2)Redefinição do papel do Estado no sistema capitalista:


Essa redefinição tinha como objetivo primário a resolução quanto às consequências da crise.E, posteriormente, em um segundo momento, voltou-se para a ação intervencionista do Estado que foi materializado na formulação do Bem-Estar Social(Welfare-State), um estabilizador político e econômico.O Estado apresentava-se, agora, como uma espécie de protetor da sociedade, articulando-se com a iniciativa privada e outras organizações sociais para promover ações que proporcionavam melhores condições de vida à população.Focou-se, portanto, nos serviços básicos da sociedade, como educação, saúde, habilitação, renda, previdência social.Por conseguinte, tomou um novo papel, em que ocupava uma posição mais decisiva, intervencionista e regulamentadora.Pode-se citar quatro linhas de ação do Estado como exemplos:


-A Economia passou a sofrer interferência direta do Estado, pois Este passou a regular o mercado.

-Atenuar as desigualdades sociais.

-Estimular o crescimento econômico.

-Direcionar o processo de crescimento econômico.




Logo, isso contraria a lógica básica do sistema, que é construída em cima dos princípios do Liberalismo.E, com a implantação do Bem-Estar Social, tinha-se o contrário da lógica básica, uma nova faceta do Capitalismo, pois essa fase diferenciada era marcada pelo poder estatal, além das profundas mudanças na organização política, social e econômica.

Esse quadro do Bem-Estar Social desenvolveu-se até o início dos anos 70.Então, veio um processo de crise, pois o “Welfare-State” passou a ser objeto de críticas e conflitos.A camada mais conservadora apontou alguns problemas vitais que se desdobravam dentro do Estado de Bem-Estar Social, e que feriam a lógica do sistema, como, por exemplo: a drenagem dos investimentos; a acomodação dos trabalhadores e diminuição da produtividade; além da presença de uma legislação pesada, que afugentava grandes empresas, e que, consequentemente, deixavam de investir exatamente por conta dessa legislação.


Vale salientar não só os problemas apontados, mas também o contexto em que essa crise do Bem-Estar Social estava inserida.Ela coexistia no contexto da crise do Socialismo; crise do petróleo; e crises de algumas economias latino-americanas.

No Brasil, por exemplo, onde o excedente é incorporado à produção, nunca entrou nesse estágio, logo o Estado de Bem-Estar Social nunca se materializou aqui.



Então, fica claro que, a partir da década de 70, esse antagonismo quanto à base lógica do Mercado e a do Estado provocou uma reação neoliberal, e os princípios do Liberalismo passaram a ser retomados.


(Mari N.)

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A reflexão política no Brasil





A Reflexão da política no Brasil: do pensamento político tradicional ao sistematizado, após o estabelecimento das universidades.



Bolivar Lamounier projetou, através de sua obra intitulada “A Ciência Poltica nos anos 80”, as conclusões de seus estudos sobre o avanço do raciocínio político brasileiro; desde o império, no século XIX, até a década de oitenta, aludindo a alguns problemas vigentes de caráter político daquela época.

Com isto, objetivou relacionar as características do pensamento político de duas fases: uma que antecede a instalação das universidades, que se refere à importância nas tradições de pensamento político mesmo antes do crescimento econômico e urbano; e outra pós-institucionalização, formando uma política devidamente imersa na metodologia científica de abordagem. Esta última referindo-se, portanto, à:


“Expansão quantitativa da pós-graduação e a concomitante diversificação de formas institucionais que se operam a partir de meados dos anos sessenta”. (p. 407)


Lamounier conceituou a idéia de “relativo avanço” da Ciência Política no Brasil, o qual o próprio autor convencionara descrever o quadro de pensamentos políticos brasileiros. Tal relativo avanço está embutido na percepção determinante na abordagem da realidade imediata da política, metodologia incorporada pelos pensadores políticos brasileiros que se distinguia da realizada na Europa. Esta pré-ciência política se refugiava em outros domínios analíticos, como a economia, o historicismo e a herança cultural brasileiros, tomando um caráter interdisciplinar da ciência política com as outras ciências sociais.

Outro levante colocado pelo autor para explicar este relativo avanço encontra-se numa certa continuidade das atividades de pesquisas no período pós-institucionalização da política como ciência. Esta continuidade foi desencadeada pela expansão quantitativa, especialmente nos programas de pós-graduação, e a pluralização observada nas formas organizacionais, como os departamentos institucionalizados, centros de pesquisa etc. A partir disto, o autor realizou uma análise comparativa da situação brasileira com o restante da América Latina, mencionando o privilégio do Brasil na vertiginosa expansão quantitativa e qualitativa na multiplicação entre os centros institucionalizados, mesmo sob o fato do tardio desenvolvimento universitário no País.

Um terceiro parâmetro aludido por Lamounier na classificação única do desenvolvimento político brasileiro se refere à pouca preocupação concedida à diferenciação entre as disciplinas sociais, como a Sociologia e Direito. Entretanto, esta característica que diferenciava a abordagem brasileira de outros países, como a França e a Itália, não necessariamente a tornava inferior.


Lamounier prossegue sua discussão do desenvolvimento político brasileiro dilatando a idéia já concebida sobre a continuidade das pesquisas já realizadas muito antes do estabelecimento das universidades. A reflexão política, anterior à sua institucionalização, dotada de prestígios tradicionais foi decisivo para a compreensão de características enraizadas na Ciência Política, de certa forma também a legitimando. A análise destas tradições também permite explicar o motivo de as Ciências Sociais, de um modo geral, persistir a sua expansão mesmo condicionadas ao autoritarismo político acentuado após o golpe de 1964.

Segundo o autor; que realizará uma crítica sobre a aplicação reducionista de meros “tratados de administração” ou “conservadorismo burocrático”, de Mannheim, nos produtos da política; existe um aspecto singular no papel da Ciência Política brasileira que vai de encontro com estes preceitos funcionário típico-ideal de Mannheim. Explica isto ao relativizar os tipos de burocracia existentes na Alemanha e no Brasil. A burocracia brasileira ainda era precariamente institucionalizada durante o Império e a República Velha, portanto tomava um papel de baixa influência. Em contrapartida, a burocracia alemã, já bem instalada, era prestigiada pelos próprios membros executivos da máquina burocrata, também autores dos “tratados de administração”.

Para uma melhor ilustração de sua análise, Bolivar Lamounier irá impor um paralelo entre os desenvolvimentos da ciência social na Alemanha e Estados Unidos, observando a fragilidade do Estado nacional alemão, recém-formado, como estopim fundamental para a exigência de um núcleo bem estruturado de cientistas sociais, na tentativa de viabilizar resoluções para os problemas do estado e de construir um tecido social perdurável, naquele momento histórico de mudanças. No caso brasileiro, naqueles tempos de recém-instalação da república, quando o escravismo ainda acabara de ser abolida e a atividade econômica baseava-se na exportação de produtos agrícolas e matérias-primas, os intentos eram bastante voltados na consolidação dos interesses da camada social comandante. As massas eram vistas como um agregado amorfo, invertebrado e sem contornos definidos, assim também eram enxergados os intelectuais.

Portanto, há de se imaginar que a formação da Ciência Política nacional partiu de problemáticas na qual a formação e consolidação do Estado era parte essencial. Tal noção de necessidade vigente formou uma das etapas do agendamento de debates públicos da Ciência Política proposta pro Fábio Wanderley Reis. De fato, a formação estatal brasileira ganhou solidificação pós-1930 com a efetivação do controle do território nacional e a garantia de segurança mínima da população.
Além desta meta, Reis afirmou a emergência da implantação e ampliação da igualdade, definindo as “áreas de igualdade” e suas medidas. A política de massas surgida após a Segunda Grande Guerra se chocava com a preocupação mais primordial do fortalecimento do poder central, em razão da expansão do próprio intervencionismo estatal na aplicação de mecanismos variados que objetivam a ampliação das áreas de igualdade. A estratégia político-econômica de substituição de importações, a fim de reduzir a dependência externa, também corroborara para a impotência na consolidação da igualdade. A próxima medida proposta por Reis tem um caráter não-imediatista, por representar um alcance pós-ideológico, quando houver uma igualdade e elevação dos padrões de vida concretizadas no Estado. Fica notório afirmar que esta etapa não forma algo construído no Brasil, especialmente durante o período de divisões ideológicas evidenciadas no regime militar (1964 – 1985).

A periodização elaborada, desta vez, por Lamounier contará com seus estudos sobre a situação político-econômica pós-1964, a partir dos constantes questionamentos a respeito da suspeita concentração do poder se contrapondo com o explosivo desenvolvimento econômico.

O cenário político, portanto, se distinguia pela ampliação e constância das reivindicações de igualdade com a participação de várias categorias sociais. Com isso, chama a atenção das problemáticas mais concretas desse período para formar suas etapas de agendamento de debates públicos. A primeira diz respeito à importância do entendimento da consolidação do Estado nacional através de trabalhos isolados de pensadores autoritários do início do século passado. Entretanto, estes trabalhos, para a época, não tinham a metodologia acadêmico-científica. Baseava-se mais em um jogo de luta ideológica.

Os autores mais conceituados citados por Lamounier são Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Nestor Duarte. Apesar das divergências destes, todos convergiam seus raciocínios sobre dois pontos pertinentes na análise do contexto sócio-políticos:
“(a) ao nível das elites dominantes, a coesão dos grupos familiares, baseada na propriedade da terra, impedia a diferenciação da esfera ‘pública’, tornando inviável a consolidação do Estado; (b) ao nível das massas, a pobreza generalizada e a dispersão espacial fomentavam uma espécie de massificação pré-capitalista...” (p. 413)

A intervenção estatal premeditada foi possibilitada, segundo o pensamento autoritário, pela identificação dos agentes capazes de provocar as mudanças e a escolha dos meios tencionados sob as luzes desta preocupação. Estes meios, por sua vez, provocaram a rigidez do sistema, seja pela força ou pela subestimação das fissuras internas da oligarquia e dos focos de contestação da vida urbana e pela industrialização recente.

Em contrapartida, ocorre a superestimação dos agentes estatais, do poder e da coesão. A ameaça da coesão territorial e a promessa de um progresso sob uma elite intelectualizada formaram a situação-conjunto que desencadeou o golpe de 1930. O resultante disto é identificado no surgimento de um sistema político misto e possuído de uma complexidade bem maior que aquilo que existia até então. Segundo Victor Nunes Leal, houve um contínuo desequilíbrio entre o sistema oligárquico já enfraquecido e um poder do Estado em ascensão. Apesar do sistema autoritário, o que havia sido instalado era um sistema representativo que culminava seu ápice na representação eleitoral (que vingava, por um lado, as fraudes do clientelismo e, por outro, a eficácia do poder publico), conseqüentemente, na continuidade do arcabouço pelo qual o sistema se alimentava.

Assim como Victor Nunes Leal, Orlando de Carvalho, Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe e Afonso Arinos de Melo Franco, entre outros, ancoravam o pensamento político clássico dos anos vinte e trinta, para a construção de alternativas práticas paras as problemáticas da Constituição de 1946. O processo eleitoral era um reflexo do artificialismo partidário vigente, por proporcionar uma pobre participação popular, especialmente ao observar o fato dos direitos eleitorais não serem uniformes em espaços urbanos e rurais, concentrada mais firmemente apenas nos espaços urbano-industriais. O intervencionismo estatal deixava reduzidas lacunas para discussão sobre as instituições e práticas democrático-representativas. Sob esta temática, a devida importância aos trabalhos de Orlando de Carvalho, utilizando-se do empirismo para descrever as realidades de diferentes regiões.

“Nesta mesma linha de raciocínio, cumpre destacar os trabalhos de Gláucio Ary Dillon Soares, cuja contribuição, publicada em livro com grande atraso, em 1973, foi desde o início no sentido de mostrar que os partidos, e até mesmo as chamadas lideranças “populistas”, tinham bases sociais e ideológicas diferenciadas.” (p. 416)

“Há, pois, nos trabalhos de Orlando de Carvalho e de Gláucio Soares algo de continuidade e algo de ruptura em relação ao que se fazia antes de 1945” (p. 416)

“Voltando nossa atenção para outras áreas de pesquisa e, especialmente, para as duas instituições de maior prestígio na época, o ISEB e a USP, torna-se perceptível uma continuidade mais profunda com a antiga tradição de pensamento brasileiro” (p. 416)

“A ‘autonomia’ e a ‘modernidade’ da USP traduziam-se, nesse contexto, num estilo de análise sociológica que se voltava, de um lado, para trabalhos de campo e para estudos monográficos e, de outro, para extensas investigações sobre os traços distintivos da formação histórica paulista: a economia cafeeira, a imigração, a industrialização e seus efeitos na estrutura social”. (p. 417)

“No caso do ISEB [...] procurou retratar a estrutura econômica e política de maneira abrangente, como o objetivo explicito de fornecer diretrizes para o desenvolvimento nacional [...] as teses básicas do ISEB mantiveram uma grande continuidade com as dos anos vinte e trinta, destacando a insuficiente autonomia do Estado para promover o planejamento da economia e a industrialização, em virtude dos vínculos que o prendiam a interesses clientelistas e a grupos sociais parasitários." (p. 418)

“Parece lícito afirmar, na linha das hipóteses desenvolvidas até aqui, que o pensamento isebiano não chegou a focalizar em termos distintos daqueles que prevaleceram na literatura dos anos vinte e trinta o tema representado, tratado quase sempre de maneira difusa e com categorias de sabor populista-plebiscitário.” (p. 418)

“Transformação do marco institucional, de um modelo burocrático-mandarinístico para um pluralista e flexível. A fase de transição aqui considerada pode ser compreendida de maneira mais nítida atentando-se para a história dos programas de pós-graduação em Ciência Política. Os principais fatos são bem conhecidos: a. Com o apoio financeiro da Fundação Ford, principalmente, foram iniciados programas de pós-graduação em Ciência Política, compreendendo cursos em nível de mestrado e estudos com vistas ao doutoramento, entres últimos no exterior e destinados, fundamentalmente, ao próprio corpo docente dos referidos programas. b. Esses novos programas começaram ligados à principais universidade – o primeiro deles foi o instituído pelo Departamento de Ciência Política da UFMG, em 1965, em 1965. Mais tarde foram criadas ‘áreas’ de Ciência Política dentro de departamentos tradicionais de ciências sociais, modelo adotado no Rio Grande do Sul, na Universidade de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e na Universidade de Campinas. Com a criação do programa de mestrado em Ciência Política no IUPERJ, em 1969, iniciava-se, porém, uma inovação: o estabelecimento de um programa pós-graduado de ensino e pesquisa a cargo de um instituto autônomo, de caráter privado. c. Após uma fase inicial, fortemente dependente de grants institucionais da Fundação Ford, inicia-se um período em que os programas de pós-graduação em Ciência Política se vêem forçados a diversificar seus pedidos de financiamento, recorrendo a órgãos governamentais e a outras entidades estrangeiras, desenvolvendo-se esse esforço, de maneira crescente, em termos de projetos específicos de pesquisa. Pode-se talvez dizer que a presença da FINEP, na segunda metade dos anos setenta, vai na direção contrária a essa tendência, dada a envergadura e/ou o caráter de apoio institucional de suas doações. Permanece, porém, como um dado essencial, o crescente envolvimento dos referidos programas no mercado de projetos específicos, daí advindo, provavelmente, uma menor concentração de esforços no ensino como tal, especialmente no que se refere a cursos gerais de teoria e metodologia, e o gradativo retorno a um perfil pluridisciplinar.(p. 422-423)

A partir destas constatações, o autor condiciona o adensamento do leque temático da Ciência Política, de forma envolver todo o trabalho de pesquisa já existente e preenchendo as falhas gritantes teoricamente legitimadas.

Para um estudo sistemático, foi sensato organizar uma classificação digna de suas áreas temáticas. Lamounier se reterá, entretanto, nos discussões sobre Estado e Democracia. A literatura brasileira se divide em três grandes conjuntos:

“1) a formação do Estado brasileiro e a expansão do setor público a partir de 1930; 2) instituições militares e comportamento político das Forças Armadas; 3) condiz com os processos eleitorais e sua significação na conjuntura de ‘redemocratização’ iniciada na primeira metade dos anos setenta.” (p. 424)


O tema responsável pela formação do Estado brasileiro foi bastante debatido nos estudos de Raymundo Faoro, em “Os Donos do Poder”, e Maria Isaura Pereira de Queiroz, em “O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira”. Estes trabalhos foram enriquecidos com novas abordagens histórico-empíricas com José Murilo de Carvalho, Simon Schwartzman e Fernando Uricoechea. Os trabalhos em torno da temática da Expansão do Setor Público após 1930 saíram de uma mera área especulativa para serem enriquecidos com pesquisas minuciosas, as etapas e os mecanismos através dos quais se expandiu a máquina burocrática brasileira. Entre os autores mais destacados além de José Murilo de Carvalho, cita-se Mário Wagner Vieira da Cunha, Maria do Carmo C. de Souza, John Wirth, Edmundo Campos Coelho e Alexandre Barros.


A conceituação de Estado realizada por Simon Schwartzman tem duas conseqüências fundamentais: de um lado, a necessidade da perspectiva histórica para se compreender a formação, o tipo e o grau desse “setor” que é o Estado; de outro, que esse setor, cujo aspecto mais evidente é a organização burocrática. Neste ponto de vista, foi importante mostrar as limitações dos conceitos econômicos para compreender o papel do Estado, o que levou a nossa Ciência Política a interessar-se sistematicamente pelo estudo dos custos de remoção materializados na formação burocrático-patrimonial brasileira. Luis Werneck destaca-se como autor de teses sobre a temática, além de Maria Hermínia Tavares de Almeida e Leôncio Martins Rodrigues, trabalhando a questão do “novo sindicalismo” a partir do ABC paulista; e Amaury de Souza que procura captar a singular complexidade das relações entre governo e sindicatos. O conceito de ‘identidade organizacional’ é utilizado por Edmundo Campos Coelho a fim de recaptular o processo pelo qual as Forças Armadas construíram para si um poderoso espaço político e burocrático no seio da sociedade brasileira.

Maria do Carmo Campello de Souza entra com importantes pesquisas sobre os mecanismos de implantação do Estado burocrático a partir dos anos trinta. O adensamento temático também é visto no papel político organizados pelos militares, pesquisado por Alfred Stepan e, posteriormente, por autores brasileiros.


O processo de “abertura política”, além da necessidade de compreensão dos acontecimentos dos anos 60 e 70, deram um grande impulso nas pesquisas sobre os processos eleitorais. Estudos sobre a democracia populista são evidenciados das teses de Wanderley Guilherme dos Santos e de René A. Dreyfuss. Bolívar Lamounier e Fábio Wanderley Reis tentaram ligar estes processos eleitorais à conjuntura e à problemática político-institucional mais ampla. Wanderley Guilherme dos Santos projetou seus estudos sob o âmbito do colapso de 1964, levando às ultimas conseqüências a especificidade da esfera político-institucional, ou, à autonomia relativa dos processos instaurados pela vigência de um sistema de representação.

“... o colapso de 1964 precisa ser compreendido, inicialmente, como um colapso do mecanismo político-partidário e parlamentar.” (p. 428)

“A conexão postulada é, pois, que a paralisia decisória conduz diretamente à crise, ou mais exatamente, à violência política, definida como mudança, pela força, das regras do jogo político-representativo vigentes.” (p. 428)

“Nesta linha de raciocínio, a manutenção do calendário eleitoral com um mínimo de seriedade é parte essencial do projeto de abertura; ou, se se prefere, é algo que singulariza o regime autoritário brasileiro em relação a outros mais radicais.” (p. 429)



(Bia G.)
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