Dia das mães

domingo, 8 de maio de 2011


É inegável que haja uma interferência direta das forças de mercado(até porque o mercado é um espaço não concreto), onde as próprias datas ganham significações dissonantes das proposições ideológicas iniciais.O Dia Internacional da Mulher e, hoje, o Dia das Mães, por exemplo, foram tomados, em grande parte, pelo empresariado, como um momento de incentivo ao consumismo e manutenção dos papéis de gênero(comerciais sobre cosméticos; comerciais sobre produtos de limpeza; comerciais sobre eletrodomésticos).E eis que a mídia perpetra, gritando novamente: mulheres, vocês nasceram com o gene de escravas sociais, conformem-se(nem um pouco determinista, não é?).


As propagandas colocam sempre a mulher no papel de subserviência: ela, alegre e sorridente, recém invadida pela sensação de completude, só porque recebeu um novo fogão.Mas que mulher não ficaria, afinal?Somos apenas a extensão da cozinha, ora pois.E por que ela não seria tão arrebatada pela felicidade ao ganhar uma rosa(símbolo que reflete a idéia de fragilidade) ou algum objeto voltado para a manutenção da casa?Esse negócio de querer mandar em si é coisa de feminazi( não é, machistinhas?).


Não é difícil imaginar como se deu e o porquê se deu, no contexto social, a subalternização da mulher.O arquétipo da mulher ainda está intimamente ligado ao instinto maternal e às virtudes da boa esposa.Nota-se que, ao se reportar à figura mulher, o espaço privado é o limite de sua caracterização.Uma relação privado-mulher como união natural e funcional.E, advindo desse processo de estruturação da imagem mulher, o próprio conceito liga-se à proposição do patriarcado no que toca a autonomia feminina.Se a mulher é edificada pelo ambiente privado, um lugar puramente particular, com articulações próprias, restritas à família, sendo endossada por uma moral de ranço machista, fica mesmo difícil imaginar por que ainda somos encaradas como propriedades e extensões?


Em contrapartida, não há somente o segmento econômico(benéfico ao patriarcado) endereçando esses marcos.O Dia 8 de março foi proposto pela revolucionária alemã Clara Zetkin durante a conferência internacional das mulheres socialistas.É uma data de visibilidade e luta pela transformação do status atual, que reserva um papel secundário à mulher.É tanto que as ações efetivas, da Marcha Mundial das Mulheres, no combate à pobreza e à violência sexista, começa exatamente nesse dia.Não se pode resumir a data à idéia de comemoração sem sentido com o intuito único de provocar as forças de demanda.Isso seria reducionismo e descaracterização de toda a luta dos grupos feministas ao longo do tempo.


O que a mídia faz é vendar a mulher diante de uma realidade desigual e opressora.E aí chegam com flores( novamente para simbolizar nossa “delicadeza”), dão parabéns, falam sobre as virtudes da boa mulher, mas não inseminam a desconstrução dos papéis de gênero em sua esfera de atuação social.


A luta feminista não está atrelada unicamente à conquista no mercado de trabalho.Entretanto, partindo de uma concepção macro, é importante a expressão da mulher nas mais diferentes esferas da sociedade, até mesmo para que possamos criar a nossa identidade.E a conquista é conseqüência da conscientização da mulher como ser autônomo e apto a afluir em qualquer âmbito, mostrando que ela é livre e tem escolhas, tanto sobre o próprio corpo quanto sobre as diretrizes de comportamento social.


Se lermos “A mística feminina”, da Betty Friedan, vamos vislumbrar como essa satisfação na esfera doméstica foi um condicionamento de anos( mito de feminilidade), e que era justamente por isso que as mulheres estavam, cada vez mais, tolhidas, incapazes de abrir o leque de possibilidades para a vida.Ela mostra a relação de hierarquização de sexos e o processo de segregação paradigmático.E, através da análise da realidade feminina, ela constata que as amarras estão na cristalização do papel da mulher atrelado à concepção do feminino, unicamente nas figuras de esposa e dona de casa.Sempre a mulher atrelada, invariavelmente, ao mito do amor materno, como fosse o caminho da felicidade para todas nós.



Sempre o mito maternal, não?

- Para os machistas, somos vaginas/úteros ambulantes.

-Para os machistas, somos a extensão da casa.

-Para os machistas, somos seres dependentes(e também por que somos só emoção, não é?Olha o determinismo aqui de novo).

-Para os machistas, somos sempre as Evas malditas seduzindo homens indefesos.

-Para os machistas, somos apenas um pedaço de carne que é passível de intervenção externa.



Por isso, obviamente, esperam que todas as mulheres queiram e tenham filhos, porque, para a maioria machista, esse é o desígnio delas no planeta.E falam em instinto maternal como se realmente fosse algo intimamente ligado à mulher.E, para deixar claro, instinto maternal não existe.Isso é um determinismo biológico usado para jogar o ônus da responsabilidade sobre a criação dos filhos somente em cima das mulheres.O amor é natural, portanto leva tempo para ser construído, não nasce em um intervalo de 24 horas.A população feminina, em sua totalidade, não sonha com a maternidade.Algumas mulheres nem pensam nisso.E não, no inconsciente delas não está aprisionada a vontade de ser mãe.É só algo muito importante chamado de liberdade individual.


Novamente, vendem a idéia de que a mãe, naturalmente, ama mais os filhos que os pais porque é mais sensível( determinismo biológico de novo, não?).E por que isso acontece? Porque o machismo condiciona, inclusive, o homem.Ele é treinado para reproduzir um padrão de “macheza” baseado na ignorância, dominação e violência.E isso é fruto de educação sexista.A questão é que tanto as mulheres quanto os homens foram educados(as) a fazer a reprodução de valores sexistas, e acabam realizando a manutenção do padrão de masculinidade, que imputa, aos homens, a inexistência de sentimentos humanos.Outras falácias: a mãe tem uma responsabilidade maior na criação dos filhos; a mãe deve ser um exemplo de moral (dentro dos paradigmas, claro); a mãe tem que viver somente para o filho, sem ter uma vida sentimental, profissional e social satisfatórias; a mãe que pára de amamentar cedo é uma monstra; a mulher que não quer ser mãe e aborta é assassina( tudo bem ela não poder decidir sobre o próprio corpo, não é?); a mulher que não quer a guarda dos filhos é uma monstra sem coração.Eu poderia passar a noite citando exemplos, mas acho que já é suficiente.


E, embora não pareça, tudo isso é para desejar um Feliz dia das Mães.Sim, eu sei que parece contraditório.Mas só o que quero é a carta de alforria para essas mães que são tratadas como escravas por grande parte da sociedade.Desejo que elas tenham direito à liberdade individual.Desejo que não sejam enxergadas como objetos.Desejo que tenham seus direitos assegurados.Desejo que sejam respeitadas.Desejo que essas mães não sejam vistas como mártires nem tenham a obrigação de carregar o peso dos norteadores de conduta.


Só para concluir, e retomando o que disse no começo: a interferência das forças de mercado estão contra a mulher, pois visa recolocá-la na posição servil.A mídia faz reprodução de valores sexistas todos os dias.O empresariado gosta da inexistência de uma consciência sobre o papel da mulher na sociedade.E gosta porque pode direcioná-la para o segmento que eles acham necessário, em acordo com seus benefícios financeiros, inclusive a idéia que define o que é uma mãe.


E as mulheres feministas( e sim, machistinhas, sinto informar, mas mulheres feministas também podem ser mães, desde que assim desejem) fazem a desconstrução desses valores para desarticular o papel da classe dominante e pôr fim ao condicionamento sobre a mulher.Enquanto feministas, absorvemos a ideologia da autonomia pessoal(ex: cabe à mulher escolher ser ou não mãe).E somos plenas nessa luta de mulheres por mulheres.Somos incessantes na batalha pela igualdade.



Então, Feliz dia das Mães!




(Mari N.)

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