Revoltas no mundo árabe

terça-feira, 1 de março de 2011






A história do Oriente nos remete a um passado de crises. Situado em uma região conflituosa, desde a antiguidade, sua ocupação gerou problemáticas, principalmente de caráter religioso, por ser um território sagrado, tanto para cristãos quanto para islâmicos, e, ainda, judaicos.

O petróleo sempre foi visado pelos países ocidentais. A situação veio a piorar a partir da tomada de boa parte do território palestino para criação do estado de Israel, em benefício do povo judeu, com ampla participação internacional, especialmente dos Estados Unidos. Desde então, sucessivos confrontos entre israelenses, apoiados pelos estadunidenses, e os outros países do mundo árabe foram se formando, aguçando a problemática na região.


Golpes foram exaurindo governos locais para implantação de ditadores que satisfizessem os interesses ocidentais, uma espécie de imperialismo claramente interessada no petróleo.

Com o tempo, isso estimulou a mobilização dos povos bastante insatisfeitos com as intervenções colonizadoras, gerando ódio e repulsão àqueles que trouxeram a fome, o desemprego, os baixos salários, a falta de expressão, a corrupção, a violenta repressão, a falta de moradia, enfim, trouxeram todo um alicerce para subjugar as populações.

Falando sobre um dos berços culturais do mundo, o Egito localiza-se no Nordeste da África.É o país mais povoado do mundo árabe, com aproximadamente 80 milhões de pessoas.Em contrapartida, é um dos mais pobres, tendo 42% da população vivendo com menos de dois dólares por dia, abaixo da linha da pobreza.Ou seja, mesmo com o crescimento populacional a partir de 1975, os recursos não acompanharam esse crescimento.

O Egito possui uma importância estratégica e econômica.Estratégica por estar localizado entre a Ásia e a África, e por ser vizinho de Israel.Econômica pela importância do canal de Suez, necessário a 7% do transporte marítimo mundial, que é um dos grandes pilares da economia egípcia, também atrelado à questão estratégica por ligar o Ocidente ao Oriente. Além, é claro, deste país ter seu papel como um exportador de petróleo, ainda que não prioritariamente.A história egípcia é marcada por regimes autoritários, baseados na dominação de um grupo sobre o povo.


Em 1952, houve uma profunda alteração nas políticas governamentais devido a um golpe aparelhado por uma organização secreta autodenominada de
Oficiais Livres.

Os egípcios saíram às ruas, formando motins, em uma ação que exigia o fim da dominação britânica, que já durava 70 anos.No ano seguinte, houve a instauração da república e o fim da monarquia, esta marcada pelo último rei egípcio, Faruk I.


O país encontrava-se em latente situação de desigualdade social, sendo vítima da corrupção administrativa e com o povo padecendo na pobreza.A Revolução Nasserista levou a uma reformulação nacional.Houve uma desapropriação das terras fundiárias para serem distribuídas entre os felás e a saída definitiva das tropas britânicas da Zona do Canal de Suez.




E, em 1956, Gamal Abdel Nasser, que encabeçava o movimento de emancipação, foi eleito presidente.Nesse mesmo ano, houve a nacionalização do Canal de Suez, mas não sem antes o Egito sofrer um ataque conjunto da França, Reino Unido e Israel.As questões de conflito não cessaram por aí.


Em 1967, ocorreu a Guerra dos Seis Dias, um ataque massivo das tropas israelenses apoiados pelos norte americanos.O Egito perdeu a Faixa de Gaza e a península do Sinai.

Posteriormente, em 1973, aconteceu a Guerra do Yom Kippur.O Yom Kippur é o dia do perdão no judaísmo.

Os impasses só tiveram fim em 1978, com a assinatura de Camp David.
O Egito recebeu de volta o território do Sinai e teve a possibilidade do apóio financeiro e militar por parte dos Estados Unidos.Nota-se, na política egípcia, uma forte presença do segmento militar.Este, assumindo, atualmente, a posição de mediador até as eleições presidenciais egípcias, em setembro de 2011.Há uma correlação entre dois regimes baseados na dominação, com duração de mesmo período de tempo, 30 anos, sendo um na monarquia(Faruk I) e o outro na república(Mubarak), mas com viés ditatorial.


No dia 11 de fevereiro de 2011, o presidente, Hosni Mubarak, que já governava há 30 anos, renunciou.Por meio do levante popular, este organizado através das redes sociais(MSN, Facebook, Twitter, Orkut), também inspirado na rebelião popular ocorrida na Tunísia, que depôs o então presidente Ben Ali, o Egito entrou em um período de efervescência.

No dia 25 de janeiro, as pessoas, por intermédio da internet, protestaram pedindo a saída do presidente Mubarak.Milhares ocuparam a praça Tahrir, que é a maior praça pública do centro do Cairo.Mas aconteceu protesto também em Alexandria, Suez e Ismaília.Três dias depois, o governo, já sabendo a forma de vinculação das informações, cortou o acesso à rede e ao resto do serviço de telefonia celular; inclusive decretou toque de recolher.Mesmo ante um cenário de pura repressão, o povo continuou indo para as ruas.Já havia comoção em massa.

Inclusive, no dia 30 de janeiro, o Nobel da paz, Mohamed ElBaradei, juntou-se à multidão.Greves foram convocadas.Não havia mais como parar a reação do povo.Estavam conscientes.Sabiam do seu papel.Sabiam da necessidade de mudança.Eles expandiram a visão e se viram como atores e não mais espectadores.A realidade política era passível de mudança desde que eles fizessem esse processo de transformação, desde que eles reformulassem o cenário político nacional.E, por meio da necessidade de transformações sociais, políticas e econômicas, o povo se viu como decisivo e como autônomo, combatendo um regime ditatorial, repressor, dominador.

O cenário do Egito não poderia ser mais calamitoso durante o governo
Mubarak.A nação estava marcada pelos altos índices de desemprego, níveis elevados de corrupção(economia abalada), violência policial, falta de moradia, alta inflação, falta de liberdade de expressão, más condições de vida, necessidade de um aumento salarial.


E, após 18 dias de pressão popular, o presidente renunciou, confirmando que a força do povo pode sim alterar as estruturas da sociedade.O efeito Tunísia ainda ganha força nos países árabes, inspirando-lhes a lutar pela melhoria da nação, pela modificação do governo, onde o povo luta pelo povo.

Agora, vemos essa consciência política inflamando a Jordânia, Iêmen, Argélia, Mauritânia, Sudão e Omã.Só que uma questão, um tanto quanto paradoxal, é o povo egípcio derrubar um ex-comandante da Força Aérea Egípcia(Mubarak), que lutou contra Israel na guerra do Yom Kippur, e era o segundo principal aliado norte-americano no mundo árabe(o primeiro é Israel), e deixar o país sendo governado pelo Conselho Supremo das Forças Armadas.

Os militares possuem interesses econômicos e um apego forte ao poder, que eles não vão abrir mão.Os dois antecessores do Mubarak, assim como o próprio, possuíam apóio militar.Então, tendo em vista a necessidade profun
da de reformulação social e política que o povo quer em oposição ao artifício do continuísmo que os militares propõem, fica difícil a transição para um regime democrático e igualitário.

A disputa para a sucessão de poder, em setembro de 2011, traz quatro nomes fortes para a presidência: marechal Mohamed Tantawi, que é um representante voltado para a continuação do antigo regime; Amr Moussa, ex-ministro de Mubarak e atual secretário-geral da Liga dos Países Árabes, que é enxergado como uma possibilidade de melhoria do antigo regime e um nome forte para vencer as eleições; o líder do partido liberal Al-Ghad, Ayman Nour, figurando na oposição junto com o diplomata Mohamed ElBaradei.

E, acoplando-se a esse processo de transformação interna, tem-se a Irmandade Muçulmana que, embora não apresente representante para concorrer à presidência, é favorita a várias cadeiras no parlamento, deste forma, ampliando sua influência.


Levando-se em consideração que a Irmandade Muçulmana deu origem ao pensamento fundamentalista islâmico, já que são baseados estritamente na sharia, a participação deles nas políticas governamentais é de extrema relevância.A partir destas constatações, entende-se o temor pelo qual o Ocidente vem sofrendo com o risco de o grupo islâmico venha a chegar ao poder, comprometendo os interesses das principais potências mundiais no Oriente Médio. Este temor remete ao que ocorreu no Irã nos anos 70, quando a Revolução Islâmica derrubou o xá Reza Pahlevi, ditadura apoiada pelo Ocidente, para implantação de outra ditadura, a Islâmica. A questão é que essa mudança política, no Egito, é gradativa, e criará, inevitavelmente, uma gama de novos conflitos sociais.


E, provando essa nova gama de conflitos, tem-se o mundo árabe, atual, em um cenário de conflitos políticos.A necessidade de transformação social levou, às ruas, um povo que estava sofrendo com regimes autocráticos e corruptos.Uma população marcada pela repressão e pela desigualdade, sendo este o fator principal que fomenta a pobreza.E justamente as más condições de vida foram um motor de sublevação para as pessoas já desgastadas com a tolha de liberdade, com a violência proposta por regimes ditatoriais, que não forneciam nenhum indicativo de melhora, seja do ponto de vista econômico ou social.Em uma tentativa de manobrar e controlar os ânimos exaltados dos manifestantes, os governos procuraram, e alguns ainda procuram, soluções apressadas e superficiais para cessar o levante do povo.Mas desta forma, não há uma transformação profunda na sociedade, mas sim a preservação dos papéis de poder.


A revolta
de Jasmim, na Tunísia, como já foi dito,
representou o estopim para a
organização de revoltas em outros países árabes.
Ela demonstrou a força do povo como um elemento de desarticulação e rearticulação.

As massas modificam, sim, a organização social, principalmente as relações de poder dentro desses países.Não se parte mais da idéia de unilateralidade.

O governo precisa, agora, de uma reformulação para atender às necessidades de vários segmentos sociais.Os levantes populares funcionam como um elo de coesão entre as pessoas, em uma luta conjunta pelo mesmo objetivo: a democracia acompanhada por melhores condições de vida.

A Tunísia gerou uma onda de soberania popular expansionista, que se irradiou pelo tecido social, gerou um processo de conscientização e a busca incessante pelo bem-estar do povo.
E, pela proximidade e pelo peso que as primeiras revoltas tiveram, elas inspiraram a população dos países próximos a lutarem por seus direitos.Basicamente, um efeito cascata.E, agora, tem-se Argélia, Jordânia, Iêmen, Bahrein, Iraque e Irã concentrando forças para uma mudança, ainda que gradativa, da política nacional.

A questão é que um grupo, com histórico arraigado ao poder, não vai abrir mão facilmente da sua influência sobre a região, gerando, inevitavelmente, mais manifestações, atentados, mortes e novos conflitos sociais.É difícil prever o futuro desses países. Muitos, com grupos extremistas, que visam instaurar a sharia, podem chegar ao poder, enquanto outros só fazem a manutenção, como é o caso do Irã.Assim como, em contraposição a essa opção, podem eleger um representante com discurso moderado.

Mas a autonomia do povo árabe, entrando em choque, lutando, não se quebrantando diante das tentativas frustradas de repressão do governo, e tudo sem intervenção internacional, mostra um novo lado do povo islâmico.Ajuda a desconstruir a idéia, muitas vezes, equivocada, de pessoas extremistas, sem consciência, que tem como ordem fundamental a destruição do Ocidente, como vende uma mídia parcial.

Os regimes teocráticos(Israel, Arábia Saudita e Irã) são os grandes perdedores com as revoltas populares.Eles passam a ter sua legitimidade questionada. Com essa conscientização em massa, forma-se uma unidade voltada para um regime democrático, onde o governo não use imperativos religiosos, seja integralista e não promova cisão social; seja um governo para todos os cidadãos.


E, com a concretização do Egito como liderança no mundo árabe, pode-se pensar em algumas possíveis conseqüências, como é o caso da questão israelense-palestino, e o fim tentativas de tomada de poder por parte dos aiatolás iranianos.O necessário é que a pressão continue, pois, assim, vai forçar a uma modificação política intensa, e não somente paliativos que disfarçam os verdadeiros interesses de grupos acostumados ao poder.Agora, quem sabe, acabe o estigma atribuído ao mundo árabe, e eles deixem de ser enxergados como inimigos, e passam a ser vistos como um povo que também deseja a ascensão política, social e econômica em um regime igualitário.


(Mari N. e Bia G.)

1 comentários:

Adriano Cabral disse...

Adorei o número de informações detalhadas dessa "revolução do mundo árabe". Foi feita uma ótima pesquisa, muito boa mesmo. Agora acho que ainda há muitas lacunas nessas "revoltas populares" que vão ser preenchidas através do tempo. Eu duvido que inexista intervenção internacional em alguns casos. Por fim, não acredito em mudanças sociais profundas fruto de revolta da mundiça, não conheço nenhuma revolução popular na história que resultou em profundos avanços sociais e culturais. Se tiveres alguma me avisa.
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