Todos os anos, é comum, no Dia Internacional da Mulher, recebermos rosas e parabéns.Vejam bem: rosas.As coisas já começam mal.Nem mesmo é difícil imaginar porque as recebemos.Não tem a ver com a rosa em si(eu, por exemplo, adoro flores.Mas é gosto pessoal).Assim como a língua que usamos, os atos são simbólicos, são ideológicos, e fazem a manutenção, no tecido social, daquela velha idéia de delicadeza, que está atrelada à mulher até hoje.
Mulher boa é a mulher delicada, daquelas que apresentam fragilidade e passividade, pronta para ser subalternizada. Enquanto isso, as propagandas que vemos, na TV, também fazem apologia ao mito do eterno feminino.
Invariavelmente, todas as mulheres sofreram, ou sofrem, algum tipo de violência.Há diferentes formas de violação: agressões físicas, psicológicas e verbais.Muitas vezes, as psicológicas não são percebidas.E não percebemos porque o condicionamento é feito de uma maneira silenciosa, próprio para que não atentemos a mácula a nossa liberdade.
Somos tolhidas desde a infância.Não somos educadas para sermos o que quisermos ser.Essa liberdade é destinada apenas aos homens.Somos educadas para sermos propriedades. E somos vistas, diariamente, como tais.Um dia, somos dos nossos pais.Outro dia, em um futuro, já acordando que vamos casar, afinal, mulher nasceu com essa função, seremos dos nossos maridos(note que, para os machistas, toda mulher deve gostar de homem.A vida dela só faz sentido se tiver um homem.As lésbicas, para eles, são só objetos de escárnio ou objetos de fantasias sexuais).Nunca somos só nossas.Nunca nosso corpo é nosso.Nunca nossas idéias são nossas.Nunca nossos sonhos são nossos.
E, quando crianças, já bem vemos o caminho da sacralização feminina.Vemos isso na educação sexista.Vemos isso na moral distorcida, de cerne obscura, de lema opressor.E somos varridas por uma gama de paradigmas comportamentais.A casta de humanidade nem mesmo é atribuída à mulher.Seres humanos são os homens.A língua está aí para provar essa idéia.E como disse, a língua é ideológica.As mulheres são estimuladas, desde jovens, a servir um macho dominante.Não são livres para escolher.São condicionadas a agir de acordo com o que o patriarcado propõe.São erotizadas desde cedo.Contudo, é um processo de erotização unilateral, para suprir as necessidades do patriarcado.A mulher não é estimulada a desenvolver sua sexualidade. E se ela fugir do padrão, é esmagada pela sociedade, que lhe imputa um condicionamento moral.
(pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo sobre as Mulheres brasileiras nos espaços públicos e privados: http://www.fpa.org.br/sites/default/files/pesquisaintegra.pdf)
Essa hierarquia está tão enraizada, na cultura, que temos a institucionalização do machismo.Às mulheres, foi reservada a exploração, coação, segmentação e aniquilação.A sociedade, em geral, prega o ódio à mulher.Só o fato de “nascer mulher”(para eles, o sexo biológico é suficiente para definir seu papel na sociedade) parece um atentado ao bem-estar social.A figura feminina foi bastante “demonizada”.E essa lógica demoníaca é endossada pela maioria das religiões cristãs.Entretanto, os ateus(atéias) e agnósticos(agnósticas) não estão livres de conceitos limítrofes machistas.Há misoginia entre eles , e elas, também, mesmo que não sejam encabeçados(as) por um livro que cultua a imagem da mulher como a culpada pelo pecado original.Incrível que ainda somos todas consideradas Evas tentando os pobres Adãos.Ou seja, de toda forma, a mulher nega sua autonomia para não sofrer o crivo da opressão, e não perder a “essência feminina”.
É impressionante o mecanismo de controle usado pelos machistas.É uma ferramenta vil, baseada no medo da humilhação e condenação pública.Há uma pressão tão forte, tão cerceadora, que faz uma mulher virar-se contra outra.Os valores reproduzidos são uma forma eficaz de dominação.Mulher independente, seja financeiramente, emocionalmente, psicologicamente, prejudica a lógica da posse.Tudo que eles não querem é a desconstrução. Para combater essa tentativa de desarticulação dos papéis de gênero, eles inseminam, nos lares, a misoginia.E esses valores humilham.Esses valores ferem.Esses valores matam.
E o pior é ouvir, nos dias de hoje, que não existe machismo, ou que a vida da mulher está muito melhor.Está mesmo melhor?Não existe mesmo machismo?
Acho válido fazer uma pequena reflexão.
1)As mulheres podem exercer sua liberdade, diariamente, sem o risco de serem vítimas de agressão sexual, independente da cor, etnia,idade, credo, orientação sexual?
2)As mulheres podem sair de casa, independente da hora, sem correrem o risco de sofrer abuso verbal(o que relativizam chamando de cantadas), ou algum outro tipo de coação?
3)As mulheres já deixaram de carregar o fardo da dupla jornada de trabalho?
4)Todas as mulheres têm salários equivalentes aos dos homens quando ocupam a mesma função?
5)As mulheres podem viver plenamente sua sexualidade sem sofrer o abuso proposto pelo condicionamento moral?
6)As mulheres já são encaradas como sujeitos ativos no sexo?Ou elas ainda são enxergadas, muitas vezes, tão somente como receptáculos de sêmen?
7)As mulheres deixaram o paradigma de objeto sexual ou símbolo maternal?
8)As mulheres não são mais encaradas como propriedades dos homens?Se não são, por que ainda há crimes “passionais” ( para mim, são crimes misóginos)?
9)As mulheres já podem decidir a respeito do seu corpo?Já podem abortar?O Estado parou de legislar a esse respeito?Os parlamentares (em maioria homens) deixaram de deliberar sobre a liberdade individual da mulher no tocante à gravidez?
10)As mulheres são livres para dissentir quando o assunto é “feminilidade”?Elas podem, simplesmente, não ir pelo viés do que a sociedade estabelece como feminino sem sofrer alguma retaliação?
Não precisamos sentar no divã para responder, precisamos?Todas as respostas são não.E são não porque nós não somos vistas como seres autônomos, como seres dignos de respeito, como seres humanos.
"Estupra, mas não mata" -Paulo Maluf
"O estupro é um acidente horrendo" - Severino Cavalcanti
"Comparando, em seu conjunto, o homem e a mulher, pode-se dizer: a mulher não possuiria o talento de se adornar se não soubesse, por instinto, que ela desempenha o papel secundário." – Nietzsche
“A lei Maria da Penha é um conjunto de regras diabólicas. Se essa lei vingar, a família estará em perigo. Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher. As armadilhas dessa lei absurda tornam o homem tolo, mole. O mundo é masculino e assim deve permanecer. No caso de impasse entre um casal, a posição do homem deve prevalecer até decisão da Justiça, já que o inverso não será do agrado da esposa.” – Juiz Edílson Rumbelsperger Rodrigues.Ele disse exatamente tudo isso em sentença, em 2007, ao julgar homens acusados de agredir e ameaçar suas mulheres.
“A defesa alegou que a vítima não era virgem e estava bêbada, junto com o réu, de modo a contribuir com o desfecho fatal.” – advogado de defesa em favor do réu acusado de estupro.
“Fragilidade, o teu nome é mulher!” -William Shakespeare
“A prostituta só enlouquece excepcionalmente. A mulher honesta, sim, é que, devorada pelos próprios escrúpulos, está sempre no limite, na implacável fronteira.” -Nelson Rodrigues
“A mulher não é um gênio, é um elemento decorativo. Não tem nada para dizer, mas di-lo tão lindamente.” -Oscar Wilde
E o mundo não é em nada machista, não é?
Mas essa representação de desigualdade e dominação não acaba por aí.Aqui alguns dados estatísticos:
-Pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Sesc, projeta uma chocante estatística: a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas violentamente no Brasil.E já foi pior: há 10 anos, eram oito as mulheres espancadas no mesmo intervalo.
-Pesquisadores projetam que 7,2 milhões de brasileiras, com mais de 15 anos, já sofreram agressões. Quase 50% dos homens afirmam ter um amigo ou conhecido que bate na mulher
-Uma, entre quatro mulheres, é vítima de Violência Doméstica
-Em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil. Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio
-O estudo da OMS destaca que 37% das mulheres que vivem na Zona Rural sofrem violência física e sexual de seus parceiros, enquanto que na cidade, 29% são vítimas.Das mulheres que vivem na Zona Rural do País, 5% são agredidas por não cumprirem as tarefas domésticas, 10% por desobedecerem ao marido, 30% por infidelidade e 65% porque seus parceiros são agressivos e controladores.Já nas cidades brasileiras, 80% das mulheres apanham ou são violentadas porque os maridos têm comportamento violento, 10% por infidelidade e cerca de 1% por desobediência ou por não fazerem os trabalhos domésticos
-Em países da União Européia, entre 20 e 25% das mulheres sofrem abuso dos parceiros
-Nos Estados Unidos, 25% das mulheres sofrem abuso, apesar de pouquíssimos casos serem levados à polícia
-Uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpetrada por profissionais da saúde
-70% das mulheres assassinadas foram vítimas de seus próprios maridos
-De acordo com os dados do MJ/SENASP/DECASP/Coordenação de Estatísticas e Acompanhamento das Polícias, foram registrados 15.122 estupros em todas as Delegacias do Brasil, em 1999, correspondendo a um índice de 9,22, referente ao indicador Taxa de Mulheres Vítimas de Violência Sexual.
-No Brasil, 31% das gestações terminam em abortos
-A Organização Mundial de Saúde estima que, no Brasil, cerca de um milhão de abortos clandestinos acontecem por ano, fazendo com que 150 mil mulheres morram ou fiquem com seqüelas devido às condições precárias a que se submetem
-Na África do Sul, uma em cada três mulheres já foi estuprada
-As mulheres são donas de 51,7% do eleitorado, mas só há 9% delas ocupando cargos parlamentares
Não é óbvio o motivo de ser Feminista?
Embora, ao longo de alguns anos, a palavra Feminismo tenha sido estigmatizada, as mulheres precisam se unir e continuar lutando pela transformação social.Ser Feminista é motivo de orgulho.O estigma atribuído ao Feminismo tem a ver com a tentativa de descaracterização da luta da mulher pela mulher.Precisamos romper essas amarras.O Feminismo não é o contrário do machismo.Afirmar isso é de uma ignorância ou má fé sem tamanho.O machismo é uma forma de comportamento onde há dominação, subjugação, baseado em normas de gênero, em que a mulher sofre condicionamento opressor.É através do machismo que temos a incidência dos mais diversos tipos de violência.E um de seus produtos é a homofobia.
O Feminismo é a libertação de todas as ideologias condicionantes de gênero.O Feminismo é a libertação das amarras subjetivas propostas pelo sistema autocrático do patriarcado.O Feminismo é a proposição que dá escolhas tanto para mulheres quanto para homens.
E, com todo orgulho do mundo, digo: eu sou Feminista.O corpo é somente meu.As minhas idéias são válidas.Eu não sou propriedade.Eu não sou um objeto de satisfação do patriarcado.Eu sou um ser autônomo e exijo igualdade.
Mulheres, lutem!Destruam!Reconstruam!Nós podemos!
Agora, quando alguém te oferecer uma flor, você diz: não quero que me ofereça flor.Quero que me ofereça a igualdade.
(Mari N.)
2 comentários:
Olha, essa sua "materia" é realmente impressionante, parabéns! Você conseguiu evoluir drasticamente desde a materia do Che Guevara, que foi uma vergonha, sinto muito. Mas parabéns, por essa, é realmente muito boa !
Agradeço o elogio.
(Mari N.)
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